Sérgio Mendes


UMA PROPOSTA DE ENSINO: O USO DO TEATRO GREGO PARA A COMPREENSÃO DA SOCIEDADE ATENIENSE CLÁSSICA



O presente trabalho propõe à comunidade acadêmica uma reflexão sobre as possibilidades do uso do Teatro Grego dentro das aulas de História Antiga como uma ferramenta para o desenvolvimento de uma aula mais interativa e que possa gerar experiências que vão além do conteúdo didático sobre a sociedade ateniense clássica, considerando-o um instrumento potencializador do conhecimento histórico. Transgressor por natureza, o teatro reflete os conflitos de sua época, sendo uma expressão de reivindicação das categorias sociais. Além disso, esta proposta valoriza questões da sexualidade e da mitologia que afligiam os antigos e que são pertinentes no tempo presente. Utilizamos, assim, o teatro para fazer cotejamentos com aquele período histórico, refletindo também sobre as possibilidades de análises dessa ferramenta na sala de aula, visando um ensino de História Antiga mais reflexivo e inovador, incentivando os alunos a questionar sobre as realidades de seu cotidiano. Desta forma, o conteúdo histórico pode ser questionado na reflexão da produção dramatúrgica grega antiga, através das reflexões produzidas a partir da montagem das peças junto ao alunado.

A discussão do uso das fontes vai tomar cada vez mais espaço dentro da historiografia e também vai ser muito discutido dentro da perspectiva do ensino de Historia. Maria Auxiliadora Schmit vai defender que “um dos elementos considerados hoje imprescindíveis ao procedimento histórico em sala de aula é, sem dúvida, o trabalho com as fontes ou documentos”. (In BITTENCOURT, 2008. Pág. 61).

Essa necessidade de trabalhar fontes históricas com os alunos vai levar o professor a buscar novas fontes constantemente, não trabalhando apenas as fontes escritas, mas também usando fontes não escritas como pinturas, esculturas, prédios, monumentos da época, mudando assim a forma de se trabalhar os conteúdos de história. Temos que ressaltar ainda, a inclusão de textos que a princípio não seriam históricos, como os textos literários, sendo usados como fontes históricas.

“Quando se quer, por exemplo, repensar a História, é preciso considerar o sentido do próprio conhecimento, o que leva não somente à eleição de novos fatos ou acontecimentos, mas a uma nova relação entre estes e quaisquer outros fatos e acontecimentos, o que nada tem a ver com compromissos irrefletidos de culto ao novo, acompanhado do descarte do chamado conhecimento tradicional.” (PINSKY, 2009, p. 45)

É ainda dentro desta discussão que vai haver a aprovação da  Base Nacional Currícular Comum (BNCC), este documento aprovado em dezembro de 2017 estabelece pontos que devem ser trabalhados ao longo do ensino fundamental, além de definir compentências que devem ser desenvolvidas ao longo dos anos.

“O processo de ensino e aprendizagem da História no Ensino Fundamental
– Anos Finais está pautado por três procedimentos básicos:
1. Pela identificação dos eventos considerados importantes na história do Ocidente (África, Europa e América, especialmente o Brasil), ordenando-os de forma cronológica e localizando-os no espaço geográfico.
2. Pelo desenvolvimento das condições necessárias para que os alunos selecionem, compreendam e reflitam sobre os significados da produção, circulação e utilização de documentos (materiais ou imateriais), elaborando críticas sobre formas já consolidadas de registro e de memória, por meio de uma ou várias linguagens.
3. Pelo reconhecimento e pela interpretação de diferentes versões de um mesmo fenômeno, reconhecendo as hipóteses e avaliando os argumentos apresentados com vistas ao desenvolvimento de habilidades necessárias para a elaboração de proposições próprias.” (MEC, 2017, p. 412)

Podemos perceber que o processo de aprendizagem que passa a ser defendido pela BNCC vai além do que as salas de aula tradicionais costumam proporcionar. A utilização de documentos, que por tantas vezes foi defendida dentro da academia, passa a ser uma obrigação na prática de todos os professores de história no país, de acordo com o ponto número 2 dos procedimentos básicos.

É dentro desta perspectiva que surge a proposta de utilizar o teatro grego dentro das aulas de História, como forma de por o aluno em contato com textos produzidos no período clássico ateniense para uma maior compreensão desta sociedade. Em seu texto publicado em 2005, A renovação da História Antiga, Pedro Paulo Funari já apontava a necessidade de pensarmos em outros modos de abordar as temáticas da antiguidade em sala.

O texto de Funari é consonante com a abordagem que passará a ser obrigatória a partir do ano que 2020 nas escolas brasileiras, trabalhar a antiguidade não como algo acabado, mas sim como possibilidade. Possibilidade de compreender um fenômeno através de vários olhares, como determina o terceiro ponto dos procedimentos básicos, e assim, reduzir a distância que existe entre os alunos brasileiros e as temáticas trabalhadas dentro do conteúdo escolar sobre a Grécia Antiga.

Inicialmente, é necessário que haja uma compreensão de que a tragédia grega vai ser muito mais do que um elemento artístico da Grécia Clássica. Nietzsche vai trabalhar em O Nascimento da Tragédia, que esta trazia o público para dentro da encenação, através do Coro, que é a representação do povo. Que o sentido do Coro é fazer com que as pessoas que estão assistindo se reconheçam dentre os personagens, e assim a mensagem da peça toque diretamente os espectadores.

Aristóteles, em A Poética, vai dizer que a tragédia é “A representação de uma ação elevada, de alguma extensão e completa, em linguagem adornada, distribuídos os adornos por todas as partes, com atores atuando e não narrando; e que, despertando a piedade e temor, tem por resultado a cartarse dessas emoções.” (ARISTÓTELES, Poética, VI - 27, p. 43)

Esta compreensão é primordial para que o uso do teatro não seja apenas um elemento lúdico dentro da sala de aula. O teatro precisa ser compreendido como um elemento fundamental dentro da ideia de Paideia. A tragédia é uma representação de um mundo que é baseado no real. Ela representa algumas angústias e algumas crenças do mundo grego. Werner Jaeger vai dizer que “Os contemporâneos não consideravam nunca a natureza e influência da tragédia de um ponto de vista exclusivamente artístico. Era a tal ponto a rainha, que a tornavam responsável pelo espírito da comunidade”. (JAEGER, 2003, p. 293) A partir deste entendimento poderemos abordar os elementos presentes em diversas das peças produzidas no período Clássico como uma ferramenta para romper a barreira tempo e espaço que existe entre os alunos e o período em questão.

Além dos procedimentos básicos e conteúdos que devem ser abordados em cada ano do ensino fundamental, a BNCC também define uma série de Habilidades que devem ser trabalhadas. Dentro destas, destacamos três que abordam temas ligados à antiguidade Clássica e que podem ser trabalhadas com o teatro:

“(EF06HI10) Explicar a formação da Grécia Antiga, com ênfase na formação da pólis e nas transformações políticas, sociais e culturais.
(EF06HI12) Associar o conceito de cidadania a dinâmicas de inclusão e exclusão na Grécia e Roma antigas.
(EF06HI19) Descrever e analisar os diferentes papéis sociais das mulheres no mundo antigo e nas sociedades medievais.” (MEC, 2017, p. 417)

Dentro do trabalho com o teatro é possível trabalharmos a habilidade EF06HI10, tendo como ponto de partida a discussão do pensamento de Paideia definido por Werner Jaeger, é possível ilustrarmos diversos dos conceitos fundamentais para a compreensão desta sociedade através do teatro.

Especificamente sobre a habilidade EF06HI10 um texto que pode ser trabalhado em sala de aula é As tesmoforiantes de Aristófanes. Neste texto é possível discutir a questão da cidadania em Atenas a partir da subversão feminina ao se fantasiar de homens para tomar conta da Assembleia. É preciso inicialmente que o professor construa com os alunos o conceito de Cidadão nesta sociedade e que os alunos compreendam o papel da assembleia. Com estes conceitos definidos, é possível questionar o papel da mulher na sociedade clássica, e em qual perspectiva o autor da peça pode desenvolver uma visão de sociedade onde as mulheres governariam a Pólis ateniense.

Outra peça que podemos trabalhar sobre a questão feminina é “Antígona”, de Sófocles, um dos grandes tragediógrafos grego. Nesta peça podemos trabalhar um contra ponto para a visão de mulher tradicional da sociedade ateniense, a Melissa. Antígona é sobrinha do rei da cidade de Tebas, Creonte, e filha do antigo rei desta cidade, Édipo. A peça começa após a morte de seus dois irmãos em batalha, em que um havia tirado a vida do outro. O rei de Tebas havia determinado que o irmão dela, Polinices, que havia lutado contra a sua antiga cidade, não deveria receber as honras fúnebres devidas, que estas só seriam dadas à Etéocles, que morre como herói. Diante disto, Antígona enfrenta as ordens de seu tio, e faz o enterro de seu irmão.

A partir do desafio de Antígona pode-se levantar questões como o papel feminino, se questionar os motivos de uma personagem feminina ser representada de tal forma na sociedade anteniense. Como uma sociedade que tem como ideal a Melissa recepcionou uma personagem como Antígona? Questões como esta são essenciais para o desenvolvimento do ensino de História dentro da BNCC.

Outro debate essencial dentro da peça é a disputa entre a liberdade individual perante a ditadura estatal. Como irmã de Polinices, Antigona é obrigada pelo seu pensamento religioso, a dar sepultura ao irmão morto. Porém, as ordens do tirano Creonte, a proíbem de tal ato. A forma como os acontecimentos se desenrolam dentro da peça permitem que questões como “Até onde vai o direito do Estado de interferir na vida do cidadão?” sejam debatidas após a encenação.

Segundo Junito de Souza Brandão, “Antígona é, pois, uma ação formulada num duelo verbal entre a thémis, a lei não escrita, ágraphos nómos, invocada e representada por Antígona, e o novíssimo direito sofístico denominado athemestía, o não-direito, o Estado Totalitário encarnado pela pólis, na pessoa de Creonte.” (BRANDÃO, 2007, p. 54)

A partir de Antígona é possível trabalhar as habilidades EF06HI12 e EF06HI19 de forma lúdica e reflexiva. Porém, é necessário que o professor seja responsável por promover os debates necessários para que a peça não cumpra apenas o seu papel lúdico. É preciso que os conceitos seja previamente apresentados aos alunos, para que ao surgirem nas peças estes possam ser reconhecidos.

Num contexto de ensino como a BNCC define, o uso do teatro grego se apresenta como uma forma de trabalho com fontes históricas, de forma lúdica e reflexiva. Além de contar com um grande potencial de reflexividade sobre os temas abordados dentro das peças. Vale lembrar ainda que a quantidade de temas mitológicos abordados dentro do teatro grego é extremamente variado, apenas mencionei de forma breve duas peças. Por tanto, é possível o trabalho com os mais variados temas dentro da sociedade grega.


Referências
Sérgio de Corrêa Mendes Júnior é Membro do Leitorado Antiguo, Mestre em Educação pela UFPE e Licenciado em História pela UPE.

SÓFOCLES. A Trilogia Tebana (Édipo Rei, Édipo em Colono, Antígona). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Editora Nova Cultura, 2004.
BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro Grego, Tragédia e Comédia. Petropólis: Editora Vozes, 2007.
BRASIL, Ministério da educação e cultura. Base Nacional Curricular Comum. Brasília: MEC, 2017.
(Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/) Acesso em 03/03/2017.
JAEGER, Werner. Paidéia – a formação do Homem Grego. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. São Paulo: Companhia de Bolso, 2008.
BITTENCOURT, Circe. O Saber Histórico na Sala de Aula. São Paulo: Contexto, 2008.
FUNARI, Pedro Paulo. A renovação da História Antiga. In: KARNAL, Leandro (Org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2005. p. 95-107.
PINSKY, Jaime. O Ensino de História e a Criação do Fato. São Paulo: Contexto, 2009.




3 comentários:

  1. Olá. Considerando-se o tempo de aula e as demandas que professores do ensino médio experimentam em suas vidas, como conciliar estes desafios com sua proposta?

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    1. Infelizmente esta proposta vai exigir um esforço inicial considerável por parte dos professores. É preciso conhecer as peças para que se possa selecionar entre elas aquelas que se enquadram melhor em sua realidade de sala de aula. Para a apresentação, é possível se fazer de diversas formas, para que reduzir a carga de trabalho que seria montar uma peça completa, o professor pode trabalhar com esquetes para apenas ilustrar os temas que deseja abordar em sala. Mas é inegável que é preciso de um esforço inicial maior para a aplicação da proposta.

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  2. Infelizmente esta proposta vai exigir um esforço inicial considerável por parte dos professores. É preciso conhecer as peças para que se possa selecionar entre elas aquelas que se enquadram melhor em sua realidade de sala de aula. Para a apresentação, é possível se fazer de diversas formas, para que reduzir a carga de trabalho que seria montar uma peça completa, o professor pode trabalhar com esquetes para apenas ilustrar os temas que deseja abordar em sala. Mas é inegável que é preciso de um esforço inicial maior para a aplicação da proposta.

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