Rodrigo Galo Quintino


O CINEMA DE ANIMAÇÕES E O ENSINO DE HISTÓRIA: BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA


O cinema é hoje encarado de diversas formas, sendo além de entretenimento, um meio de comunicação, arte e manifestação sociocultural. Como argumenta Pereira (2011, p. 1) “O cinema é considerado arte, entretenimento, documento, manifesto de seu tempo, simples lazer e para muitos é objeto de estudo”. Diversos pesquisadores se debruçam sobre a produção audiovisual, tornando os filmes uma importante fonte de pesquisas em variadas áreas, entre elas a historiografia e a educação.

No campo historiográfico, para compreendermos o uso do cinema como fonte de pesquisa é preciso entender os diversos conceitos de fonte e como eles se transformaram com o tempo.

Durante todo o século XIX e a primeira metade do século 20, a vertente positivista encarava como fonte histórica apenas documentos escritos e oficiais.  Sobre isso, Kornis (2008, p. 16) destaca que:

“Os primeiros registros dos quais se tem notícia sobre o reconhecimento do filme como documento histórico não partiram de historiadores. Em 1898, no texto “une nouvelle source de l’histoire” o câmera polonês Boleslas Matuszewski, que trabalhou com os irmãos Lumiére, não só reconheceu a importância do filme enquanto documento histórico como destacou sua relevância no ensino, demonstrando ainda preocupação com a criação de depósitos de guarda para este material.”

A perspectiva apresentada por Matuszewski propunha trabalhar o cinema dentro de pesquisas históricas e de ensino, porém o encarando como uma forma de ilustrar a realidade de determinado período. Como destaca Kornis (2008, p. 17):

“Matuszewski defendia o valor da imagem cinematográfica como testemunho ocular, verídico e infalível, capaz de controlar a tradição oral. Para ele, embora o cinematográfico não pudesse registrar a história integral, ao menos fornecia algo incontestável e verdadeiro”.

Com o passar dos anos, sobretudo com o movimento da chamada Escola dos Annales o conceito de fonte histórica se ampliou muito e o cinema começou a ganhar maior espaço nas pesquisas historiográficas. Não só o conceito de fontes se ampliou, como suas analises se modificaram, deixando de se encarar documentos como retratos fiéis da realidade, e passando a serem analisados como discursos e representações influenciados pelo contexto sócio histórico e cultural no qual são produzidos.

Assim, o cinema deixa de ser visto como retrato do real e passa a ser estudado como uma construção com influencia de seus idealizadores e dos variados contextos aos quais estão inseridos.

Como apresenta Napolitano (2015, p. 240):

“Na perspectiva da moderna prática historiográfica, nenhum documento fala por si mesmo, ainda que as fontes primárias continuem sendo a alma do oficio do historiador. Assim, as fontes audiovisuais e musicais são, como qualquer outro tipo de documento histórico, portadoras de uma tensão entre evidencia e representação.”

Não só um importante documento histórico, um filme é considerado também uma ferramenta útil e de grande valor para educadores utilizarem em salas de aula.  Dessa forma:

“Trabalhar com o cinema em sala de aula é ajudar a escola a reencontrar a cultura, ao mesmo tempo cotidiana e elevada, pois o cinema é o campo no qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais mais amplos são sintetizados numa mesma obra de arte. (NAPOLITANO, 2009, p.15)”.

O uso de filmes como abordagem didática é destacado também por Castilho (2003, p. 8), apresentando o argumento de que:

“O filme propicia por si só uma atração especial, é envolvente, mobiliza a atenção concentrada, envolve o espectador, mobiliza aspectos emocionais, explora a percepção, valores, julgamentos, paixão e compaixão, opiniões e até desejos. O filme como ferramenta didática é de uma extraordinária valia para se trabalhar com e em grupos.”

Dentro de tal perspectiva, diversos gêneros cinematográficos vêm sendo explorados para uso em salas de aula, dentre eles as animações merecem papel de destaque como ferramentas com grande potencial. Os desenhos animados, utilizando linguagem simples e de fácil entendimento, podem apresentar varias camadas, abordando temas complexos com diferentes significados e interpretações, sendo possível, para além do publico infantil, alcançar diversos públicos de faixas etárias variadas, sobre tudo os jovens, como evidencia Neto (2012, p. 17):

“Embora tenham o objetivo de entreter e de serem de pequena duração, trazem em sua linguagem um modo de ver e entender a sociedade vigente, para um público jovem, que está formando o seu caráter, seus ideais, que necessita de exemplos, que em muitos casos vão ser sim, os desenhos animados.”

Reforçando o supracitado a respeito do uso do cinema na historiografia, para Kornis (1992) um filme não ilustra nem retrata a realidade em si, mas a reconstrói utilizando uma linguagem própria, construída de acordo com o contexto histórico no qual está inserido. Assim, a animações, inseridas na sétima arte, não são diferentes, pois “[...] uma animação não reflete e nem retrata nenhum período histórico, ela representa o mesmo.” (NETO, 2012).

Goulart Araujo e Santos (2016) também afirmam que:

“[...] os filmes e desenhos animados são produtos culturais, sociais, políticos e históricos, sendo assim, repletos de conhecimentos, informações e valores (sociais, econômicos, políticos, culturais e históricos) implícitos ou explícitos no decorrer de sua narrativa”.

Deve-se tomar cuidado para não apresentar os conteúdos mostrados na tela como realidade ou verdade histórica, ao contrario, é uma oportunidade para estimular o senso crítico com os alunos, demonstrando que aquilo é uma representação com um discurso influenciado pelo contexto de produção, de forma intencional ou não, sendo assim:

“O professor deve agir e interferir nessa relação do aluno com a imagem, estimulando o seu potencial de crítica. Esta é a obrigação que se tem, de criar condições para poder ressaltar, esclarecer, instigar, à luz das referências já existentes, os conhecimentos adquiridos que permitam a leitura da película. Os conhecimentos aprendidos em aula servirão como base para o acompanhamento da atividade. Os alunos deverão utilizar essas referências quando se confrontarem com a “verdade histórica” transmitida no filme. (CASTRO; BONOW; LUCAS, 2002, p. 170)”.

Disponibilizar textos prévios e contextualizar os assuntos trabalhados em questão se mostra de extrema importância para o sucesso no uso de desenhos animados em aulas. O professor precisa ter em mente que não deve substituir a aula pela animação, mas utiliza-la para complementar e enriquecer os debates dos conteúdos apresentados (NAPOLITANO, 2009).

Baseado no apresentado considera-se que as animações são alternativas que podem se mostrar eficientes e interessantes para trabalhar conteúdos históricos em salas de aula. Com o devido cuidado e preparo por parte do professor, é possível, além de dinamizar as aulas, propondo uma atividade diferente e agradável aos alunos, estimular os debates de conteúdos históricos dos mais diversos períodos, bem como contribuir para desenvolvimento do olhar crítico para com o cinema e demais fontes históricas, consequentemente influenciando a maneira de analisar assuntos inerentes à própria sociedade em que estão inseridos.

Refêrencias:
Rodrigo Galo Quintino é discente de licenciatura em História pela Universidade do Sagrado Coração (USC – Bauru/SP).

CASTILHO, Aurea. Filmes para Ver e Aprender. Rio de Janeiro: Qualitymark , 2003. p. 8.

CASTRO, N. A. P.; BONOW, S.C.; LUCAS, T.C. Imagens da História na indústria cinematográfica. In: PADRÓS, Enrique Serra (org.). Ensino de História: formação de professores e cotidiano escolar. Porto Alegre: EST. 2002.

GOULART ARAUJO, Ana Luisa; SANTOS, Emerson Izidoro dos. O uso de filmes de animação como recurso didático: a abordagem dos temas transversais por meio do filme o espanta tubarões. III Congresso Nacional de Formação de Professores (CNFP) e XIII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores (CEPFE), vol. 03, n. 03, 2016. Anais..., São Paulo, UNESP, 2016 Disponível em: <http://unesp.br/anaiscongressoeducadores/ArtigoVisualizar?nome_arquivo=http://200.145.6.217/proceedings_arquivos/ArtigosCongressoEducadores/5930.pdf>. Acesso em: 26 de fev. 2018.

KORNIS, Mônica Almeida. História e cinema: um debate metodológico. Estudos históricos, Rio de janeiro, v. 5, n. 10, p. 237-250, 1992. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1940>. Acesso em: 01 de jun. de 2017.

______. Cinema, Televisão e História. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

NAPOLITANO, Marcos. Como Usar o Cinema na Sala de Aula. São Paulo: Contexto, 2009.

______. A História depois do papel. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. 3 ed., 2 reimpressão. São Paulo: Contexto, 2015. p. 235-290.

NETO, Mario Marcello. Animação em aula: Os heróis dos desenhos animados no ensino de história. Cadernos de Clio, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, n. 3, p. 15-43, 2012. Disponível em: <http://revistas.ufpr.br/clio/article/viewFile/40549/24764>. Acesso em: 01 de mar. 2018.

PEREIRA, Lara Rodrigues. A Abordagem Didática do Uso do Cinema em Sala de Aula. In: VI Colóquio: Ensino médio, história e cidadania, 17 a 19 de ago. de 2011, Florianópolis, SC. Anais..., Florianópolis: UDESC/FAED/Grupo de Pesquisa Sociedade, Memória e Educação, 2011. Disponível em: < http://www.revistas.udesc.br/index.php/EnsinoMedio/article/view/2342>. Acesso em: 28 de dez. de 2017.

VANOYE, Francois; GOLIOT-LETE, Anne. Ensaio sobre análise fílmica. Tradução: Marina Appenzeller. 2 ed. Campinas: Papirus, 2002.

8 comentários:

  1. Boa tarde Rodrigo,

    Você dialoga a partir do uso teórico das obras cinematográficas de animação, mas não registra - talvez pelo espaço curto - um exemplo dessa utilização. Poderias nos fornecer um exemplo prático?

    Maicon Roberto Poli de Aguiar

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    1. Bom dia Maicon,

      Realmente, o objetivo desse trabalho foi apresentar uma breve conceituação teórica sobre o assunto. Como é derivado de uma pesquisa em andamento ainda não posso apresentar exemplos práticos completos de minhas experiências pessoais.

      Como sugestão, os trabalhos de Mario Marcello Neto e de Ana Luisa Goulart Araujo e Emerson Izidoro dos Santos, ambos referenciados, apresentam exemplos e perspectivas interessantes. Também recomendo a leitura de um trabalho de conclusão de curso desenvolvido por alunos da UNOESTE em 2016 entitulado "O uso do filme de animação como ferramenta pedagógica no ensino básico de Presidente Prudente (SP)".

      Agradeço pelo comentário e espero ter o respondido de maneira satisfatória.

      Rodrigo Galo Quintino

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  2. Olá. Sua proposta é bem interessante, mas eu não consegui perceber o cinema de animação que você propôs no título. Poderia explicar melhor?

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    1. Olá José,

      Aproveitar das animações dentro do uso do cinema em sala de aula se mostra interessante porque estas dialogam muito bem com variados públicos, inclusive os jovens. Elas possuem uma linguagem mais acessível e, normalmente, mais agradável que determinados filmes, o que torna a aula menos cansativa e desinteressante, e, ao mesmo tempo, suscitam debates interessantes sobre o período que são produzidos e que representam na tela.

      Um exemplo pode ser o uso da animação. Asterix e os Bretões (1986) ao apresentar os conteúdos  a respeito da expansão e queda do Império Romano, contextualizando o período de desenvolvimento da obra e demonstrando como alguns dos estereótipos apresentados ainda perduram no imaginário popular.

      Rodrigo Galo Quintino

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  3. Você afirma: "Deve-se tomar cuidado para não apresentar os conteúdos mostrados na tela como realidade ou verdade histórica", mas como distinguir realidade de ficção? A produção cinematográfica é produzida em um contexto físico, econômico, social e cultural. E o que é uma verdade histórica? Sendo que para o profissional da história há a existência de várias verdades? Que conceito de realidade e verdade estão sendo levados em consideração quando você debate o cinema? Também houve uma quase ausência do cinema de animação do título do artigo. Qual a definição de animação que você utiliza e onde estão os filmes desse gênero para explicar o debate do artigo?

    Karen Keslen Kremes

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    1. Olá,

      Como você mencionou, para o historiador há a existencia de várias verdades, e é justamente por isso que coloquei o trecho destacado por você.
      Me explico, quando disse que deve-se tomar cuidado para não apresentar uma obra cinematográfica como verdade histórica, quero dizer justamente tomar cuidado para não apresenta-lo como uma representação ou ilustração fiel dos acontecimentos de determinado período, visto que isso não existe. Deve-se deixar claro ao aluno que, como você destacou, uma obra cinematográfica é produzida em um contexto físico, economico, social, político e cultural, que influenciam diretamente seu discurso, e que um discurso não é uma Verdade absoluta ou uma ilustração do que aconteceu, mas irá variar de acordo com a fonte utilizada e, claro, o historiador que a analisa.

      Destaco novamente o trecho no qual cito Kornis e Neto, pois acredito que exemplifica bem o que quis dizer "[...] para Kornis (1992) um filme não ilustra nem retrata a realidade em si, mas a reconstrói utilizando uma linguagem própria, construída de acordo com o contexto histórico no qual está inserido. Assim, a animações, inseridas na sétima arte, não são diferentes, pois “[...] uma animação não reflete e nem retrata nenhum período histórico, ela representa o mesmo.” (NETO, 2012)."

      Quanto a segunda parte do comentário, achei pertinente contextualizar o cinema ara então abordar as animações em sí, devido a se tratar de uma pesquisa em andamento e da falta de espaço não pude exemplificar de maneira concreta com resultados completos, optando por apresentar uma revisão bibliográfica do assunto. Dentre alguns filmes que podem explicar e tornar mais palpável o assunto, posso destacar por exemplo a obra Liga da Justiça: A Nova Fronteira (2008), a qual apresenta seu enredo ambientado na guerra fria, podendo ser utilizada para trabalhar diversos aspectos do período, tsnto no sentido de mentalidade, quanto simbologias e estética cinematográfica, visto que se aproxima em varias cenas da estética Noir.

      Para enriquecimento dos conhcimentos aconselho também a leitura dos artigos propostos ao Maicon, pois neles você encontrará uma aplicação prática mais aprofundada, partindo de diferentes perspectivas e com diferentes obras.

      Rodrigo Galo Quintino

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  4. Olá Rodrigo,

    Quando pensamos as linguagens artísticas, vamos nos deparar com suas particularidades estéticas, mas também como uma leitura, ou melhor, uma representação de mundo. Afinal, como você bem coloca e vou reproduzir aqui:
    "Goulart Araujo e Santos (2016) também afirmam que:

    “[...] os filmes e desenhos animados são produtos culturais, sociais, políticos e históricos, sendo assim, repletos de conhecimentos, informações e valores (sociais, econômicos, políticos, culturais e históricos) implícitos ou explícitos no decorrer de sua narrativa”.
    Portanto, o cinema de animação traz as questões sociais, econômicas, políticas e culturais do lugar de produção, divulgação, reprodução e recepção. E, em um mundo cada vez mais conectado, estamos tendo acesso ao cinema de animação de várias partes do mundo, inclusive com outras características estéticas. Enfim, nesse processo, vamos entrando em contatos com os outros tipos de animação. Neste sentido, veio uma inquietação, será que não podemos trabalhar com os animes no ensino de história? O texto busca uma reflexão teórica, mas podemos pensar aplicação dessa teoria.
    Att.,
    Camila Imaculada Silveira Lima

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    1. Olá,

      Muito pertinente seu apontamento, com certeza os animes são muito bem vindos, podem (e ousaria dizer até devem) ser trabalhados em salas de aula. Além da grsnde aceitação do público jovem, tornando-os mais fáceis de trabalhar, eles apresentam caracteristicas esteticas e narrativas que variam muito dos comummente encontrados no ocidente, tornando sua analise extremamente rica. Embora ainda estejamos muito presos a uma visão extremamente eurocentrica da História, sobretudo no ensino básico, trabalhar e refletir sobre temas e produções do oriente é de extrema importância, e interculturalidade também pode ser incentivada por meio destas produções.

      Há hoje varios trabalhos interessantes envolvendo o uso de animes para ensino de História, o próprio LAPHIS promoveu no segundo semestre o 1 Simpósio eletronico de História Oriental, no qual foram apresentados alguns trabalhos nessa perspectiva, dentr os quais foram apresentadas possibilidades de uso de animes famosos como Death Note por exemplo, sugiro e recomendo que dê uma olhada. O download dos livros com os trabalhos pode ser efetuado no seguinte link: http://simporiente2017.blogspot.com.br/?m=1

      Att,
      Rodrigo Galo Quintino

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