Policleiton Rodrigues Cardoso


MÚSICA: INSTRUMENTO DE PESQUISA E RECURSO DIDÁTICO


O presente artigo tem como objetivo aludir perspectivas de ensino e de pesquisa pelo viés das novas linguagens, mais especificadamente a música, que estão presentes no meio social tanto dos educandos quanto dos educadores. Expondo a importância da música enquanto recurso didático, aludindo pesquisadores que auxiliam metodologicamente e teoricamente para a utilização da música enquanto instrumento didático.

As Novas Linguagens Na Pesquisa Histórica: a Música

A música compõe o repertório das novas linguagens que são utilizadas na pesquisa histórica. Ao observar a música como fonte de pesquisa, deve-se antes pensar a história por uma via interdisciplinar, buscando suas relações entre a história, cultura e música, carecendo ser excedido a tradicional noção de história da música. (MORAES, 2000, p.203)

A música é um componente perceptível no meio social, contudo podendo passar despercebido, visto que “apresenta-se no nosso cotidiano de modo permanente” (MORAES, 2000, p.204). A música popular é vista como o gênero musical que mais se percebe as experiências humanas. Na perspectiva de Antônio Alcântara Machado (1935), em um trabalho em que consistiu uma análise de músicas populares da década de 1930 que aludiam a vida urbana da cidade de São Paulo, percebeu que a canção popular:

“[...] está muito mais próxima dos setores menos escolarizados (como criador e receptor), que a maneja de modo informal (pois, como a maioria de nós, também é um analfabeto do código musical) e cria uma sonorização muito própria e especial que acompanha sua trajetória e experiências.” (MORAES, 2000, p.204)      

De acordo com José Geraldo Moraes (2000, p.204), a música pode ser pensada como “[...] expressão artística que contém um forte poder de comunicação, principalmente quando se difunde pelo universo urbano, alcançando ampla dimensão da realidade social”. Pensando a música nesse aspecto, ela se torna um elemento formidável para se compreender “zonas obscuras da história”, principalmente de grupos considerados subalternos.

Por seu turno, Moraes (2000, p.204-205) compreende que a música pode ser utilizada como “uma rica fonte [histórica] para compreender certas realidades da cultura popular e desvendar a história de setores da sociedade pouco lembrados pela historiografia”. Contudo, existem dificuldades para a realização de pesquisas que abordem a afinidade entre história e música, sendo elas em boa parte pela “dispersão de fontes, a desorganização dos arquivos, a falta de especialistas e estudos específicos, escassez de apoio institucional etc.” (MORAES, 2000, p.205). As pesquisas que antecedem a virada cultural faziam uso da música enquanto composição erudita ou folclórica, aquelas que não se enquadravam nessa demarcação eram desqualificadas para a pesquisa histórica. 

A partir dos anos 1970 houve um avanço no que concerne a metodologia da pesquisa entre História e Música, se dando principalmente pelo diálogo com outras disciplinas das ciências sociais, o resultado foi um alargamento nos horizontes de pesquisa, resultando em análises mais profundas, fugindo de um diagnóstico que visa apenas biografar a vida de um sujeito do âmbito musical. Porém, como ressalta José Geraldo Vinci de Moraes (2000), a canção não é percebida pelos historiadores como uma fonte de primeira ordem no domínio da documentação, mesmo após a “Nova História” a música é abrangida como uma segunda classe.

Existem metodologias para se trabalhar a música enquanto fonte histórica, para José Geraldo Moraes (2000, p.210) o primeiro passo versa em: “[...] reconhecer [...] as particularidades objetivas e materiais dos sons produzidos e sua propagação, e como eles foram e são (re)elaborados pela sociedade humana, de diferentes modos, em forma de música.”. Os sons são elementos autênticos que carregam consigo características individuais proporcionando relações simbólicas entre eles e o meio social.

A música se encontra como elemento importante para a análise histórica de uma sociedade, especialmente em decorrência de que é produzida e reproduzida enquanto sentido para uma sociedade. O fato de que existe uma preferência de escalas, harmonias inventadas por um meio social são resultadas de relações culturais e sociais e que geram sentido dando resultado a música.  O que chamamos de “música” só pode existir, assim, em meio a condições históricas que visem estabelecer afinidades entre o som, criação musical, instrumentista e o receptor. A música atinge os sentidos de seu consumidor, ou seja, ela está essencialmente no âmbito da sensibilidade do ouvinte. (MORAES, 2000, p.211). Porém, o criador da obra (música) não possui em seu alcance o poder de fazer com que seu leitor (ouvinte) faça uma leitura de sua obra da forma como se espera, podendo traçar novos rumos, Roger Chartier (1996) versa um conceito chamado protocolo de leitura que visa compreender os mecanismos empreendidos nos livros para que o leitor faça a leitura e interprete da forma como o escritor anseia, tomando esse conceito, torna-se pertinente assemelha-lo a percepção que José Geraldo da Vinci Moraes (2000, p.211) tem com relação ao ouvinte e a música, segundo ele “geralmente uma segunda leitura é realizada pelo intérprete/instrumentalista. E finalmente, o receptor faz sua (re)leitura da obra, às vezes trilhando caminhos inesperados para o criador”.

A música enquanto recurso didático
Um dos primeiros questionamentos acerca do uso da música enquanto recurso didático é: “por quê fazer uso da música nas aulas?”, para o historiador Márcio Cano (2012, p.61)
“A música é uma das manifestações culturais mais presentes em nossas vidas, ela compõe nosso repertorio psíquico, social e emocional, além de se manifestar no cotidiano das diversas sociedades em várias formas”.

Ou seja, é um elemento, e linguagem, presente em todas as sociedades e em diversos momentos do cotidiano. Sendo assim, ela (a música) pode se tornar um importante recurso didático nas aulas de História, de forma que atraia a atenção dos alunos, ajudando-os no desenvolvimento de novos conhecimentos. (ABUD, 2005).

Katia Abud (2005) já nos alerta ser “necessário que exponhamos o jovem a linguagem musical de forma a criar um espaço de dialogo a respeito da música e por meio dela”, o que a pesquisadora almeja é estimular o interesse dos alunos por sua letra, composição, contexto ou produção.
A pratica da docência traz consigo responsabilidades, sendo que essas por sua vez conduzem a preocupações entre os educadores, sendo uma delas, segundo Cano “a preocupação constante em desenvolver práticas pedagógicas que atraiam a atenção de nossos alunos, estimulando sua criatividade e dinamizando nossas aulas” (OLIVEIRA, 2007 Apud. 2012, p.62). Baseando-se nessa preocupação, podemos utilizar a música enquanto um elemento de difusão de conhecimento histórico e também como um mecanismo de dinâmica para as aulas, visto que os alunos se sentem próximos a ela, especialmente pelo fato de que ela está impregnada no meio social.
Segundo Katia Abud (2005, p.312):

“[...] [As músicas] são representações, não se constituem no discurso neutro, mas identificam o modo como, em diferentes lugares e em diferentes tempos, uma determinada realidade social é pensada e construída.”

Sendo assim, se torna um componente admirável para a compreensão de um fato, podendo ser utilizada como fonte e recurso didático. Ainda seguindo as considerações de Abud (2005) o professor pode fazer uso da música para despertar a consciência do aluno, posto que os discentes se sentem atraídos por conteúdos que fogem do cotidiano dos livros. 

Considerações Finais
Por meio de toda análise traçada até aqui, nota-se que a música é um importante elemento para a compreensão do meio social, podendo ser notada aspectos sociais e culturais de uma sociedade em análises de suas composições. A música enquanto instrumento didático é essencial para a dinamização das aulas, aludindo aos alunos conteúdos por meio da música, mostrando sua importância para a compreensão da realidade social de uma determinada época que pode ser percebida com o diagnóstico coeso da composição musical. A utilização da música durante as aulas, logicamente de forma coerente a metodologia proposta, pode auxiliar o professor de forma que “desperte” a consciência dos alunos para os temas propostos, deixando a aula dinâmica e agradável.

Referências
Policleiton Rodrigues Cardoso é discente do Curso de História da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), Campus IETU.

ABUD, K. M. Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula de História. In: Cadernos CEDES, Campinas, v.25, n.67, p.309-317, 2005.
____________. Ensino de história. São Paulo: Cengage Learning, 2010 (Coleção Ideias em Ação).

CHARTIER, Roger. Práticas da leitura. Tradução Cristiane Nascimento. São Paulo, SP: Estação Liberdade, 1996.

OLIVEIRA, R. C. História, música e ensino ao ritmo dos excluídos: músicas engajadas e problemáticas sociais na contemporaneidade. In: Cadernos de História, Uberlândia, v.15, n.1, p.137-149. 2006.

MORAES, José Geraldo Vinci de. História e Música: canção popular e conhecimento histórico. Revista brasileira de História. São Paulo, v.20, nº39. 2000.


15 comentários:

  1. Parabéns pela reflexão. Se atentarmos ao fato de que tudo que nos é oferecido sob os moldes das representações, seja de modo escrito, visual ou sonoro, contém subscritos reflexos dos discursos pregados por determinada sistema de ideias. Qual metodologia utilizar em sala de aula para que o aluno perceba a música para além do aspecto som e ritmo, fazer entende-lo que, o quê parece resultar da inspiração do compositor pode está sendo controlada para disseminação de as ideias dominantes e conservadoras?
    Abraços,
    Leide Rodrigues dos Santos

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    1. Boa Noite Leide Santos.
      Obrigado pelo elogio.

      Bem, primeiro devemos pensar a utilização da música como um recurso didático, e não como método determinante para o conteúdo a ser ensinado. Antes de se introduzir a música é aconselhável que o docente contextualize o período ao qual a música se trata, os sujeitos ao qual são mencionados, para então os discentes compreenderem que a música é um resultado de discursos de um meio social, ela conta uma história. traz resquícios, representações, dentre uma miríade de possibilidades. Um dos assuntos mais incríveis para se fazer uso da música é a sua utilização para compreender "zonas obscuras" do período militar no Brasil.
      Mas adverto, sempre o docente deverá ter aporte e conhecimentos relativos a música e a metodologia a ser aplicada.

      Abraços.

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    2. Agradeço a atenção. Sucesso em sua caminhada!
      Att,
      Leide Rodrigues

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  2. Caro Policleiton, parabéns pela abordagem.

    Vemos, com frequência, o uso da música em sala de aula, mas parece que quando é utilizada pelo professor, apenas a letra é interpretada e relacionada ao seu contexto. Você acredita que apenas a característica sonora (instrumentos, melodia, etc) e estética podem ser usadas como componente para estudarmos um contexto específico? Se sim, de que maneira?

    Sugestão: procure obras de Marcos Napolitano que versam sobre música.

    Heraldo Márcio Galvão Júnior

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    1. Boa Noite Heraldo,

      Acredito que uma abordagem que leve em consideração apenas a música (melodia e contexto) não seja o bastante, seria um complemento ao conteúdo, numa tentativa de tornar a aula dinâmica e mostrar aos alunos como as fontes históricas permeiam nosso cotidiano. Acredito que a utilização de outras fontes, junto ao material didático (livro) e a música sejam uma forma interessante para ensinar. Contudo, ainda é uma tarefa um pouco difícil, posto que grande parte dos historiadores não possuem formação que leve em consideração a música.

      Att. Policleiton Cardoso

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  3. Você acredita que a música trabalhada em sala de aula frequentemente possa ajudar aqueles alunos que tem mais dificuldade sobre determinados assuntos? Gostaria de saber se você já utilizou em sala de aula, e se por um acaso os alunos foram incentivados a criar músicas para a própria aprendizagem.


    Ass: Wiliana Maiara do Nascimento


    Ass: Wiliana Maiara do Nascimento

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    1. Boa Noite,

      Acredito que a utilização de músicas podem auxiliar os discentes a compreender assuntos que por vezes são abstratos a sua realidade, e claro alguns aspectos tornam um interessante instrumento de apoio pedagógico, primeiro que os alunos não veem a música como uma tarefa da escola, segundo que a música pode trazer reflexões importantes que com a utilização de outros recursos pode facilitar o trabalho reflexivo dos alunos.
      Ainda não tive a oportunidade de utilizar a música enquanto instrumento didático em salas de aula de ensino médio/fundamental, apenas em discussões na Universidade, que por sinal trouxeram positivas reflexões por parte dos alunos.


      Att. Policleiton R. Cardoso

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  4. Policleiton Rodrigues Cardoso, boa tarde!

    Eis um material que me chamou bastante a atenção! rs

    Obrigado por compartilhar este material! Creio que a música é um instrumento transformador, sou músico, fui "obrigado" (graças a Deus!! ) pelo meu pai a entrar num conservatório musical muito cedo e creio que esta arte me abriu muitas portas - seja em comunicação, cultura e muita história!!!
    Diversas peças musicais estão entrelaçadas com um contexto histórico enriquecedor, os compositores clássicos nos mostram isto em suas peças, a nossa música sofreu também esta influência (Guerra Fria) no movimento Tropicália...
    Oxalá que muito em breve, as salas de aulas sejam presenteadas com esta fusão: Livro + Música!

    P.S: as referências indicadas/citadas são para "afinar" o que por ora e sem conhecimento estavam "desafinadas".

    Fraterno abraço,

    Jônatas Fernandes Pereira

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    1. Boa Noite Jônatas, fico honrado com sua apreciação ao material que pude disponibilizar nesse simpósio.
      Tenho um trabalho sobre música e ditadura militar, e foi por meio desse que percebi a necessidade e a possibilidade da utilização da música tanto como fonte de pesquisa e instrumento didático.


      Obrigado Pelas considerações.


      Att. Policleiton R. Cardoso

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  5. Olá caro Policleiton Cardoso,

    Primeiramente parabéns pela abordagem e pela escolha do tema, se trata de uma metodologia que particularmente gosto bastante e acredito que pode ser extraordinário se bem utilizado.
    Percebe-se que a ideia de documento amplia-se a partir do século XIX, fazendo com que a música seja fundamental para compreender representações de uma determinada época, como músicas sobre o período de ditadura militar, por exemplo. Queria saber se você já utilizou ou pensa utilizar esse tipo de fonte em alguma aula e como fazer a utilização da mesma. Acredita que ainda hoje haja dificuldades na inserção desse material em sala de aula?

    Abraço,

    Fernando Nogueira Resende

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    1. Boa Noite Fernando,

      Ainda não tive a oportunidade de usar a música na sala de aula, mas considero enriquecedor o seu manuseio, claro que de forma "certa".

      Sim, eu vejo uma enorme dificuldade em inserir essa "fonte" e "instrumento didático" nas salas de aula, por dois motivos: a) A falta de instrumentalização dos profissionais para sua utilização; b) A falta de estrutura nas escolas para a utilização de música nas aulas. São problemas que grande parte dos professores passam.


      Att. Policleiton R. Cardoso

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  6. Boa tarde, Pelicleiton

    Parabéns pela abordagem do tema. Gostaria de saber como você trabalharia com alunos do ensino fubdamfunda a musica em sala de aula. Por exemplo, o rap, que aponta várias problemáticas e que, de certa forma, em alguns ambientes/grupos sofrem xertis "preconceitos".
    Desde já, agradeço.

    Emily Lourenço Pinheiro

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    1. Boa Noite Emily,

      A utilização da música deve ser precedida de instrumentalização teórico/metodológica por parte do professor.
      A utilização do RAP é interessante principalmente para serem tratados assuntos da contemporaneidade, uma vez que a música é resultado de inquietações do presente, muito parecida com a pesquisa histórica. No ensino fundamental trabalharia de forma a contemplar assuntos do PCN com relação a conteúdos transversais, uma vez que o RAP é rico em reflexões acerca de preconceitos, de inquietações com relação a desigualdades (gênero e social). Há uma miríade de possibilidades temáticas, mas trouxe essas como exemplo.

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  7. Olá, Policleiton.
    Desde já, parabenizo-lhe pelo trabalho desenvolvido.
    Como historiador e músico, reconheço plenamente que a música, em seus aspectos gerais, carrega consigo uma gama de possibilidades de uso em sala de aula. A música carrega sentimentos, conflitos, preocupações de seu tempo e seu compositor, além de interpretações variadas à medida em que os receptores se apropriam da mesma.
    Diante disso, os alunos que entram em contato com a música em sala de aula - tornando-se, portanto, receptores - também podem conferir novas interpretações.
    Nesse sentido, quais cuidados o professor deve ter em mente no momento de preparo de sua aula?

    Márcio Vitor Santos

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