Karoline Margarida Fernandes Januário


ENSINO DE HISTÓRIA E O CORDEL: REPENSANDO PRÁTICAS PEDAGÓGICAS


O pensamento de transformação social por meio da educação é ambicionado por todos os profissionais que se dedicam ao ensino. Diante deste pressuposto, faz-se necessário traçar alternativas eficazes para o melhoramento dos índices de ensino-aprendizagem.
                         
No que concerne ao ensino de História devemos buscar subsídios que aproxime dos educandos os conteúdos programáticos. Nos últimos anos, os professores perceberam a necessidade de contextualizar os conteúdos históricos à realidade dos discentes.

O ensino de História tem uma fonte de saber e historicidade muito determinante na região nordeste do Brasil, a literatura de cordel, segundo Diégues (1986, p. 31), “a literatura de cordel estava ligada à divulgação de histórias tradicionais, narrativas de velhas épocas, que a memória popular foi conservando e transmitindo.”

Segundo Nascimento (2005, p. 02), a origem da literatura de cordel originou-se:
“A literatura de cordel, narrativa poética construída em versos, surgiu na Europa. Foi trazida para o Brasil pelos portugueses, no século XVII. Em terras brasileiras, desenvolveu-se na região Nordeste, onde surgiram as primeiras tipografias no final do século XIX. Os pioneiros nesse tipo de expressão poética foram Leandro Gomes de Barros, Francisco das Chagas e João Martins de Athayde, principais nomes da primeira metade do século XX.”


A literatura de cordel é uma fonte inesgotável para a pesquisa histórica, pois contém narrativas de personalidades e/ou acontecimentos que marcaram a mentalidade de um grupo. Segundo Cascudo (1987), a literatura de cordel surgiu no período colonial, sendo trazido pelos portugueses, encontrando na região nordeste um local extremamente propicio para a propagação dos folhetins.

A região nordeste tornou-se o maior produtor de literatura de cordel. Ainda segundo Diégues a literatura de cordel não foi produzida somente por portugueses e, posteriormente, por brasileiros, mas há registros do “O corrido” ou “pliegos sueltos” na Espanha, França, México, Guatemala e Argentina.

Inicialmente, a literatura de cordel era produzida oralmente, as rodas de conversas traziam consigo toda a tradição daquele povo. O repertório cultural e linguístico carregava significações e significantes determinantes para a coletividade, desta forma, a transmissão oral das narrativas.
Os temas (ciclos) temáticos que o cordel utiliza são os que marcam a memória coletiva de um povo, desde novelas de cavalaria, este sendo um elemento bastante produzido pelos ciclos tradicionais de cordéis.

Para produção dos cordéis, os poetas, utilizam do repertório oral e das narrativas já catalogadas, porém não é determinante. Novas temáticas são produzidas pela necessidade de anunciação, os poetas no nordeste são comunicadores dos fatos que ocorrem no mundo.

No que concerne ao ensino de História, devemos salientar as temáticas que trazem fatos históricos já cristalizados, a exemplo, cordéis sobre Getúlio Vargas, Padre Cícero, Antônio Conselheiro, Lampião e as secas, estas são as temáticas mais recorrentes.

Ao confrontar os cordéis com o livro didático é interessante a problematização que como o fato se apresenta nos materiais, a exemplo, em cordel, Getúlio Vargas na literatura de cordel, de Orígenes Lessa (1986, p. 24), o poeta dispõe do seguinte fato: “O golpe de trinta e sete/foi contra a grande anarquia/que reinava em nossa terra/onde a fome consumia/milhares de proletários/pois o rico não sofria.” O cotejo do cordel com o livro didático e/ou outro material seria essencial para a construção do senso crítico e, percepção que distinguem os gêneros textuais. 

A utilização do cordel em sala de aula abre novas possibilidades de problematização das fontes históricas, sendo que, esta está presente na realidade de vários discentes, sobretudo, da região semiárida. Para este estudo abordaremos o ciclo temático da figura humana de Lampião. A escolha se deu, pela enorme quantidade de cordéis produzidos sobre esta personagem.

O Cangaceirismo foi um fenômeno de banditismo social do século XIX, tendo um dos principais percursores, a figura de “Antônio Silvino”. Segundo a concepção de Clemente (2007, p. 1-2), podemos definir este movimento como:
 “O cangaço desse período é definido na literatura para referir-se ao bandido que vive debaixo da canga, o complexo de armas sobrepondo-lhe o corpo, mas principalmente para referir-se a um modo específico de ação independente, em que o cangaceiro estaria subordinado apenas ao seu bando.”

O cotejo entre o material didático e o texto literário rompe com as noções de ideias fixas sem problematizações, apesar de a literatura ser autossuficiente, podemos utiliza-la como paralelo ao conteúdo tradicional. A percepção de continuidade dos conteúdos históricos é o ponto crucial deste estudo.

As problematizações e noções de permanência e ruptura são pontos nefrálgicos para a aprendizagem histórica. O movimento do cangaço deu-se num momento de seca e fome desoladoras na região nordestina, sobretudo, a presença dos coronéis favoreceu a propagação destes grupos pela região.

No cordel “Antônio Silvino, o Rei dos Cangaceiros”, de Leandro Gomes de Barros, podemos perceber a relação de poder exercida pelos “cangaceiros”: “No norte tem quatro estados/ À minha disposição,/ Pernambuco e Paraíba/ Dão-me toda distinção/ Rio-Grande e o Ceará/ Me conhecem por patrão.”

A discussão em sala de aula sobre os poderes exercidos neste período é primordial para compreender as relações e/ou manutenção do poder nos dias atuais.

Com as novas tecnologias e inovações metodológicas constantes, requer que utilizemos recursos que aguce o interesse do educando pelo conhecimento, sobretudo, dar condições para que os alunos façam uso da criticidade.  De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), devemos “Criticar, analisar e interpretar fontes documentais de natureza diversa, reconhecendo o papel das diferentes linguagens, dos diferentes agentes sociais e dos diferentes contextos envolvidos em sua produção.”

A utilização de material produzido pelo povo para o povo faz-se interessante para discussões sobre o posicionamento dos excluídos do processo histórico. A inclusão de narrativas que são produzidas pelos marginalizados é uma dívida histórica para com os alunos, estes devem se reconhecer nas narrativas, perceber que a seca que assola o nordeste hoje, ocorreu há séculos a fio também.

A reflexão e o posicionamento sobre seu lugar no discurso, nunca foi tão aclamado. Entender e problematizar a mentalidade e como os fatos históricos são concebidos pelo povo é fazer História, construir pontes e dar significados a quem há tanto espera.

Referências
Karoline Margarida Fernandes Januário. Professora da educação básica, pós-graduada em Mídias na Educação, pós-graduação em Gestão Escolar, vinculada ao programa de Literatura e metaficção da UFERSA.

BARROS, de Leandro Gomes de. Antônio Silvino, o Rei dos Cangaceiros. Livro de domínio público.
JÚNIOR, Diégues Manuel. Literatura popular em verso: estudos. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1986.
LESSA, Orígenes.  Getúlio Vargas na literatura de cordel. (ensaio).  2 ed. revista pela autor.  São Paulo: Ed. Moderna, 1982.   151 p.  Capa: M. Ângela Haddad Villas.  Inclui, ao final, uma pequena “Pequena Antologia do Ciclo Getuliano” (p. 87-151) com uma seleção de cordéis em que o “Pai dos Pobres” é quase sempre louvado.  
Nascimento, Jairo Carvalho do. A literatura de cordel no ensino de História: reflexões teóricas e orientações metodológicas. ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.




4 comentários:

  1. Karoline, a sua proposta de utilizar o cordel em sala de aula é muito pertinente, além de ser um novo recurso que pode atrair o aluno para determinados conteúdos, é uma metodologia que também possibilita o diálogo muito profícuo entre história e literatura. Gostaria de saber de você se já colocou essa metodologia em prática em alguma escola e se fez uso, qual foi a sua avaliação final? Positiva? Como os alunos recepcionaram essa metodologia?

    Márcio Douglas de Carvalho e Silva

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  2. José Humberto Rodrigues12 de abril de 2018 às 07:51

    Karoline, sigo com as mesmas questões do Márcio. Seu trabalho é de imensa relevância.

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  3. Uma metodologia muito importante, a utilização do cordel nas aulas, você já utilizou a metodologia em suas aulas de produção de cordel pelos próprios alunos? Utilizei essa proposta, não só problematizei alguns cordéis, assim como fiz uma atividade em que eles produzissem um pequeno cordel de no máximo 5 páginas contando um pouco do cotidiano de sua comunidade e foi uma experiência muito satisfatória.

    Rayssa Eutália Gurjão Coutinho Borges

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  4. Boa noite Karoline! Parabenizo pela ótima escolha do cordel como fonte para o ensino de História.
    Quais os desafios vivenciados em sala de aula com a utilização desse tipo de fonte? Como é a recepção dos alunos com o cordel, como literatura e como fonte para a aprendizagem da história? Os alunos produzem cordéis com o tema em questão da aula? Existe algum cordel que trata de temas da atualidade?

    Míriam de Lima Cabral

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