ENSINO DE HISTÓRIA E O CORDEL:
REPENSANDO PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
O pensamento de transformação social
por meio da educação é ambicionado por todos os profissionais que se dedicam ao
ensino. Diante deste pressuposto, faz-se necessário traçar alternativas
eficazes para o melhoramento dos índices de ensino-aprendizagem.
No que concerne ao ensino de História
devemos buscar subsídios que aproxime dos educandos os conteúdos programáticos.
Nos últimos anos, os professores perceberam a necessidade de contextualizar os
conteúdos históricos à realidade dos discentes.
O ensino de História tem uma fonte de
saber e historicidade muito determinante na região nordeste do Brasil, a
literatura de cordel, segundo Diégues (1986,
p. 31), “a literatura de cordel estava ligada à divulgação de histórias
tradicionais, narrativas de velhas épocas, que a memória popular foi
conservando e transmitindo.”
Segundo
Nascimento (2005, p. 02), a origem da literatura de cordel originou-se:
“A literatura de cordel, narrativa poética
construída em versos, surgiu na Europa. Foi trazida para o Brasil pelos
portugueses, no século XVII. Em terras brasileiras, desenvolveu-se na região
Nordeste, onde surgiram as primeiras tipografias no final do século XIX. Os
pioneiros nesse tipo de expressão poética foram Leandro Gomes de Barros,
Francisco das Chagas e João Martins de Athayde, principais nomes da primeira
metade do século XX.”
A
literatura de cordel é uma fonte inesgotável para a pesquisa histórica, pois
contém narrativas de personalidades e/ou acontecimentos que marcaram a
mentalidade de um grupo. Segundo Cascudo (1987), a literatura de cordel
surgiu no período colonial, sendo trazido pelos portugueses, encontrando na
região nordeste um local extremamente propicio para a propagação dos folhetins.
A
região nordeste tornou-se o maior produtor de literatura de cordel. Ainda segundo
Diégues a literatura de cordel não foi produzida somente por portugueses e,
posteriormente, por brasileiros, mas há registros do “O corrido” ou “pliegos sueltos”
na Espanha, França, México, Guatemala e Argentina.
Inicialmente,
a literatura de cordel era produzida oralmente, as rodas de conversas traziam
consigo toda a tradição daquele povo. O repertório cultural e linguístico
carregava significações e significantes determinantes para a coletividade,
desta forma, a transmissão oral das narrativas.
Os
temas (ciclos) temáticos que o cordel utiliza são os que marcam a memória
coletiva de um povo, desde novelas de cavalaria, este sendo um elemento
bastante produzido pelos ciclos tradicionais de cordéis.
Para
produção dos cordéis, os poetas, utilizam do repertório oral e das narrativas
já catalogadas, porém não é determinante. Novas temáticas são produzidas pela
necessidade de anunciação, os poetas no nordeste são comunicadores dos fatos
que ocorrem no mundo.
No
que concerne ao ensino de História, devemos salientar as temáticas que trazem
fatos históricos já cristalizados, a exemplo, cordéis sobre Getúlio Vargas,
Padre Cícero, Antônio Conselheiro, Lampião e as secas, estas são as temáticas
mais recorrentes.
Ao
confrontar os cordéis com o livro didático é interessante a problematização que
como o fato se apresenta nos materiais, a exemplo, em cordel, Getúlio Vargas na
literatura de cordel, de Orígenes Lessa (1986, p. 24), o poeta dispõe do
seguinte fato: “O golpe de trinta e
sete/foi contra a grande anarquia/que reinava em nossa terra/onde a fome
consumia/milhares de proletários/pois o rico não sofria.” O cotejo do cordel
com o livro didático e/ou outro material seria essencial para a construção do
senso crítico e, percepção que distinguem os gêneros textuais.
A
utilização do cordel em sala de aula abre novas possibilidades de
problematização das fontes históricas, sendo que, esta está presente na
realidade de vários discentes, sobretudo, da região semiárida. Para este estudo
abordaremos o ciclo temático da figura humana de Lampião. A escolha se deu,
pela enorme quantidade de cordéis produzidos sobre esta personagem.
O
Cangaceirismo foi um fenômeno de banditismo social do século XIX, tendo um dos
principais percursores, a figura de “Antônio Silvino”. Segundo a concepção de
Clemente (2007, p. 1-2), podemos definir este movimento como:
“O cangaço desse período é definido na literatura
para referir-se ao bandido que vive debaixo da canga, o complexo de armas
sobrepondo-lhe o corpo, mas principalmente para referir-se a um modo específico
de ação independente, em que o cangaceiro estaria subordinado apenas ao seu
bando.”
O cotejo entre o material didático e o texto
literário rompe com as noções de ideias fixas sem problematizações, apesar de a
literatura ser autossuficiente, podemos utiliza-la como paralelo ao conteúdo
tradicional. A percepção de continuidade dos conteúdos históricos é o ponto
crucial deste estudo.
As
problematizações e noções de permanência e ruptura são pontos nefrálgicos para
a aprendizagem histórica. O movimento do cangaço deu-se num momento de seca e
fome desoladoras na região nordestina, sobretudo, a presença dos coronéis
favoreceu a propagação destes grupos pela região.
No
cordel “Antônio Silvino, o Rei dos Cangaceiros”, de Leandro Gomes de Barros,
podemos perceber a relação de poder exercida pelos “cangaceiros”: “No norte tem
quatro estados/ À minha disposição,/ Pernambuco e Paraíba/ Dão-me toda distinção/
Rio-Grande e o Ceará/ Me conhecem por patrão.”
A
discussão em sala de aula sobre os poderes exercidos neste período é primordial
para compreender as relações e/ou manutenção do poder nos dias atuais.
Com
as novas tecnologias e inovações metodológicas constantes, requer que
utilizemos recursos que aguce o interesse do educando pelo conhecimento,
sobretudo, dar condições para que os alunos façam uso da criticidade. De acordo com os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), devemos “Criticar, analisar e interpretar fontes
documentais de natureza diversa, reconhecendo o papel das diferentes
linguagens, dos diferentes agentes sociais e dos diferentes contextos
envolvidos em sua produção.”
A utilização de material produzido pelo povo para o
povo faz-se interessante para discussões sobre o posicionamento dos excluídos
do processo histórico. A inclusão de narrativas que são produzidas pelos
marginalizados é uma dívida histórica para com os alunos, estes devem se
reconhecer nas narrativas, perceber que a seca que assola o nordeste hoje,
ocorreu há séculos a fio também.
A reflexão e o posicionamento sobre seu lugar no
discurso, nunca foi tão aclamado. Entender e problematizar a mentalidade e como
os fatos históricos são concebidos pelo povo é fazer História, construir pontes
e dar significados a quem há tanto espera.
Referências
Karoline Margarida Fernandes Januário. Professora da educação básica, pós-graduada em
Mídias na Educação, pós-graduação em Gestão Escolar,
vinculada ao programa de Literatura e metaficção da UFERSA.
BARROS,
de Leandro Gomes de. Antônio Silvino, o Rei dos Cangaceiros. Livro de domínio
público.
JÚNIOR,
Diégues Manuel. Literatura popular em
verso: estudos. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1986.
LESSA, Orígenes. Getúlio Vargas na literatura de cordel. (ensaio). 2 ed.
revista pela autor. São Paulo: Ed. Moderna, 1982. 151
p. Capa: M. Ângela Haddad Villas. Inclui, ao final, uma pequena
“Pequena Antologia do Ciclo Getuliano” (p. 87-151) com uma seleção de cordéis
em que o “Pai dos Pobres” é quase sempre louvado.
Nascimento,
Jairo Carvalho do. A literatura de cordel no ensino de História:
reflexões teóricas e orientações metodológicas. ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL
DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.
http://www.revistafenix.pro.br/PDF13/DOSSIE_%20ARTIGO_13Marcos_Edilson_de_Araujo_Clemente.pdf.
Acesso em 05/03/ 2018
Karoline, a sua proposta de utilizar o cordel em sala de aula é muito pertinente, além de ser um novo recurso que pode atrair o aluno para determinados conteúdos, é uma metodologia que também possibilita o diálogo muito profícuo entre história e literatura. Gostaria de saber de você se já colocou essa metodologia em prática em alguma escola e se fez uso, qual foi a sua avaliação final? Positiva? Como os alunos recepcionaram essa metodologia?
ResponderExcluirMárcio Douglas de Carvalho e Silva
Karoline, sigo com as mesmas questões do Márcio. Seu trabalho é de imensa relevância.
ResponderExcluirUma metodologia muito importante, a utilização do cordel nas aulas, você já utilizou a metodologia em suas aulas de produção de cordel pelos próprios alunos? Utilizei essa proposta, não só problematizei alguns cordéis, assim como fiz uma atividade em que eles produzissem um pequeno cordel de no máximo 5 páginas contando um pouco do cotidiano de sua comunidade e foi uma experiência muito satisfatória.
ResponderExcluirRayssa Eutália Gurjão Coutinho Borges
Boa noite Karoline! Parabenizo pela ótima escolha do cordel como fonte para o ensino de História.
ResponderExcluirQuais os desafios vivenciados em sala de aula com a utilização desse tipo de fonte? Como é a recepção dos alunos com o cordel, como literatura e como fonte para a aprendizagem da história? Os alunos produzem cordéis com o tema em questão da aula? Existe algum cordel que trata de temas da atualidade?
Míriam de Lima Cabral