ASSISTINDO À CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA:
UM ESTUDO DO FILME NARRADORES DE JAVÉ
As metodologias para o ensino de história vêm se alterando
nos últimos anos em busca de dinamizar a veiculação de conteúdo utilizando
recursos pedagógicos com outras linguagens. Neste intimo, nossa proposta de
trabalho consiste em buscar realizar problematizações possíveis acerca da
produção historiográfica, da relação entre pesquisador(a)/fonte e os interesses
para a produção de história que serão suscitados a partir do filme Narradores de Javé.
Cabe destacar que o
cinema é uma importante fonte de pesquisa histórica, pois as tramas dos filmes
geralmente apresentam discursos e ideologias que expressam o contexto pessoal, histórico
e político de sua produção. Kátia Maria Abud (2003),
no seu artigo A construção de uma
didática da História: algumas ideias sobre a utilização de filmes no ensino,
aponta como fatores responsáveis pela preferência dos filmes: “[...] a enorme
atração que a produção fílmica ainda exerce, a disseminação e a acessibilidade
das fitas de vídeo [...]” (2003, p.183).
Narradores de Javé
se trata de um filme nacional, produzido em 2003 por Eliane Caffé, que
apresenta o drama do vilarejo no interior do nordeste brasileiro de nome Vale de Javé. Ameaçados pela inundação
de uma represa, consequência da construção de uma barragem, a pequena vila se
encontra em uma intensa discussão entre seus habitantes que buscam solucionar o
problema.
Frente a este problema, a solução é encontrada na escrita de
um livro que mostrasse a importância histórica da cidade enquanto patrimônio,
pois, segundo informações passadas a alguns cidadãos do vilarejo, somente algo
de caráter científico, ou oficial, poderia impedir o avanço da obra da represa.
Ou seja, se a população provasse que a cidade tinha valor histórico, ela
poderia, na visão de seus moradores, ser tombada como patrimônio histórico e,
assim, ser salva.
Neste primeiro momento nos deparamos com uma indagação
relevante para a problemática em que o filme se estruturará e que também conduz
a pensar sobre o interesse da pesquisa historiográfica que se dá sempre no
presente e pela alguma necessidade social, política, econômica ou patrimonial.
O referido filme apresenta vários temas que
têm relação com a [feitura da] História, como por exemplo: a História oral, a
relação História e Memória, os conflitos da História Oficial e a chamada
história popular, além da problemática sobre os limites entre a construção do
fato histórico e o artefato literário. Com a ameaça de inundação de suas terras,
os moradores, sempre contrários à literatura (onde até a agência de Correios
correu o risco de ser fechada), precisam ceder à prática da escrita. Para
Rogério Marques: “A escrita é o modo, o saber especializado de comunicação e de
uso político que Javé terá que se enquadrar para se fazer presente frente ao
Estado”.
O “livro da salvação”, assim como é denominado ainda em
branco por um dos personagens, será escrito por Antônio Biá, único habitante da
cidade que sabia ler e escrever, e que diante do desespero da população foi
levado à missão de transformar os contos sobre a chegada dos seus antepassados
em história, ou fazer uma “escrita científica” e não uma “pataquada”, como
explica o mentor da ideia do livro, referindo-se às mentiras contadas pela
população sobre a fundação da cidade. Assim, a partir do relato de cada
morador, a história haveria de ser feita. Portanto, a oralidade seria a fonte
para o agora então “historiador”.
De acordo com o Centro
de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil CPDOC,
da Fundação Getúlio Vargas, caracteriza-se como História Oral:
“[a] metodologia de
pesquisa que consiste em realizar entrevistas gravadas com pessoas que podem
testemunhar sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida ou
outros aspectos da história contemporânea. Começou a ser utilizada nos anos 1950,
após a invenção do gravador, nos Estados Unidos, na Europa e no México, e desde
então difundiu-se bastante. Ganhou também cada vez mais adeptos, ampliando-se o
intercâmbio entre os que a praticam: historiadores, antropólogos, cientistas
políticos, sociólogos, pedagogos, teóricos da literatura, psicólogos e outros.
No Brasil, a metodologia foi introduzida na década de 1970, quando foi criado o
Programa de História Oral do CPDOC”.
Antônio Biá deve registrar, pois, as
histórias contadas oralmente pelos moradores. Histórias na maioria das vezes ambíguas,
confusas, imaginárias e que ora se complementam ou se repelem. Conforme traz o
historiador Rogério Marques: “É realizado um trabalho de construção de uma
memória, na medida em que os narradores de Javé apelam para o morador que detém
o poder simbólico da escrita e do documento”.
Michel de Certeau alerta que o processo de análise das
fontes, representada aqui pelos contos da população, é uma processo que deve
ser realizado friamente para a tradução em uma linguagem todas as
transformações sociais (CERTEAU, 1982).
O primeiro passo é buscar, selecionar e mapear as fontes: “este
gesto consiste em ‘isolar’ um corpo, como se faz em física, e em ‘desfigurar’
as coisas para constituí-las como peças que preencham lacunas de um conjunto a
priori” (CERTEAU, 1982, p.73). As histórias contadas se encontram e divergem no
lendário Indalécio, pioneiro que guiou a população e o sino, símbolo mais
importante para a população, para a região onde, mais tarde, se instalaria o
povoado de Javé.
“O acontecido não é
como o escrito, a história é melhorada na escrita para se acreditar no
acontecido”, é o que Antônio Biá destaca após ouvir uma história com poucos
elementos que atraísse o contexto de formação do Vale.
Como destaca Maria Aparecida Bergamaschi
(2010), a
História de Javé é contada ligeiramente diferente e sob diversas perspectivas.
Algumas privilegiando uns ou outros supostos personagens icônicos. A história
de fundação da cidade é permeada por acontecimentos gloriosos como quase todo
mito de formação de povos e países. Os moradores tentavam conferir legitimidade
aos fatos apresentando fotografias de antepassados e seus objetos pessoais.
De acordo com Certeau (1981, p. 71): “Falando
em geral, cada sociedade se pensa ‘historicamente’ com os instrumentos que lhe
são próprios”. É assim com o primeiro relato ouvido por Antônio Biá, feito por
Vicente, ao mencionar a certeza em ser descendente direto de Indalécio quando
apresenta uma arma que supostamente serviu a esse herói javélico, quando matou
um boi para alimentar o seu povo. Delegando assim ao objeto um simbolismo
embalsamado de muito sentimento e que é chave de acesso da historicidade do seu
povo.
O surgimento de Javé, no conto da personagem Deodora,
menciona a batida em retirada que o povo teve após uma guerra com a coroa
Portuguesa. Exibindo a marca de descendência direta de Maria Dina em um dos
seios, Deodora celebra a mulher que guiou o povo e cantou as fronteiras do Vale
de Javé, sendo assim “mulher que de fato teve importância”. Anunciando o seu
“local de fala” (assim como outros narradores apresentam), a versão apresentada
por Deodora entra em contradição com a história do personagem Firmino, ao
contar que Indalécio supostamente teria morrido de disenteria e que a Maria
Dina seria uma feiticeira com problemas mentais. Em uma votação para escolher qual das duas
histórias deveria ser registrada como a verdadeira, a personagem Maria vota
duas vezes, afirmando que “não dá para contar uma história sem deixar a outra”,
conduzindo a pensarmos nas versões interpretativas que a história possibilita.
Quando dizemos “lugar fala”, nos referimos à uma expressão que está aparecendo em
muitos movimentos sociais e nas universidades e que no filme se apresenta
sutilmente, merecendo ser esclarecida. A expressão busca conferir legitimidade
ao discurso de quem o profere em detrimento dos que do círculo de um movimento não
faz parte e que busca enunciar. Quando Deodora menciona ser ela a descendente
direta ao possuir uma marca, ou quando Vicente menciona a certeza de ser
descendente direto de Indalécio, esses restringem ao discurso sobre a
construção do vale apenas com as suas versões. Implicação que se apresenta em
muitos movimentos sociais como os de mulheres negras, gays (...) ao se situar
no seu “lugar de fala” construindo uma barreira e pintando os outros discursos
que são proferidos, em muitas vezes para contribuir, como ilegítimo. O centro
da questão é que, embora uma pessoa que não seja gay ou mulher negra, não irá
conseguir traduzir ou alcançar o que estes passam, dando a esses uma carga de
experiência, no entanto, isso também não anula outros discursos de quem não faz
parte de um grupo social que busca equidade. Assim como no filme, as versões
podem até ir de encontro, mas que nenhuma poderá ser ignorada.
Voltemos ao filme. Mais tarde, ao intermediar um velho
morador da vila descendente de escravos e que ainda fala em seu idioma nativo, Biá
nota que esse se cala após algumas lembranças e fica mudo. Biá questiona o seu
mediador/tradutor se houve algum problema na tradução das perguntas. O rapaz
diz que não, que essa é a maneira do velho contar sua versão da história. Biá
não concorda, afirmando que ele não deve ter feito um serviço certo na hora da
tradução. Podemos aludir que o questionamento/abordagem na fonte não foi bem
sucedido.
A relação entre história e memória também se
apresenta intensa no filme e aparece em sua complexidade que dificulta colocar
no papel, ou melhor, no “livro da salvação”, as
lembranças, as histórias contadas, “as ideias que estão na cabeça”.
Le Goff (1994) explica que as sociedades “cuja
memória social é, sobretudo oral ou que estão em vias de constituir uma memória
coletiva escrita” permitem compreender a luta pelo domínio da memória. Diz
também o autor que uma das preocupações dos indivíduos e grupos que dominam as
sociedades é de tornarem-se também donos das lembranças e dos esquecimentos.
Bergamaschi, conclui:
“Portanto,
história e memória são construções e ocorrem num campo de disputas como bem
mostra o filme, em que cada família, cada morador tem a sua versão, constrói um
passado para Javé, a partir de seus interesses pessoais e familiares. Vemos
também os jogos de sedução de Biá, encarregado dos registros e que usa o poder
da escrita para ‘tirar vantagem’ em relação às pessoas que escolhe para
registrar as narrativas”.
Neste sentido, a historiografia segue como uma seara de
abordagens, versões e fontes que merece ser transmitida no ensino em busca de
descontruir uma ideia positivista ainda solida na sociedade remetendo a
história fixa e imutável. Assim se segue tanto no filme como na realidade, a
graça de buscar construir, não tão simples assim como essas palavras, mas de
conferir plausibilidade a cada versão tendo como base as suas fontes, sejam
elas o vestígio que for de um passado que fará de alguma forma presente no
presente.
Considerações finais
Infelizmente, a ideia para salvar Javé não deu certo. Biá
afirma que as historias são muito confusas e que mereciam permanecer apenas na
boca do povo e não aprisionadas no papel. Após a inundação, novamente a
população sai em procura de um novo lugar para morar carregando o sino da
igreja.
Ao ver o clima de desolação que tomou conta daquelas pessoas
que se viam à mercê da própria sorte, é desperto em Biá a vontade de descrever,
num livro, como as águas subiram e qual a história por trás da tragédia. A
história volta a se repetir: novamente os impasses e as versões dos que entre
os que lá estiveram e viram a água tomar conta do Vilarejo ganha a cena e cada
um quer relatar, do seu modo, como aconteceu a submersão. A diferença é que
agora Biá está disposto a registrar a(s) história(s) no papel, com o intuito de
entregar a história à posteridade.
A película é muito feliz na sua tarefa de entreter e mostrar
outras tradições e costumes do nosso Brasil, além de também, apresentar como as
divergências de versões de um fato existem (e continuam) e a produção da
historia se altera a partir das necessidades do presente, seja para tentar
salvar a vila, seja para o registro de memórias que contarão para um futuro.
Em uma sala de aula, é dever do professor ensinar
que a História é a ciência que estuda a trajetória das pessoas nas sociedades
por meio das suas ações, valores, costumes e instituições construídas,
mostrando assim, que na escola, o ensino de História tem como pressuposto que o
aluno deve aprender a realidade na sua diversidade e nas suas múltiplas
dimensões temporais (PCN, 1998).
Mais importante do que saber sobre
datas, é conseguir relacionar os fatos e perceber que as transformações de uma
sociedade não são naturais ou espontâneas, mas determinadas por uma série de
fatores anteriores. Portanto, uma vez que o professor consegue transmitir
aos alunos essa concepção de História, na qual todos estão inseridos, cumpre
seu papel e faz com que os alunos tornem-se sujeitos dessa História e não meros
expectadores.
As questões suscitadas filme são pertinentes até hoje, como
alerta Le Goff acerca da atualidade do tema: “a memória é um elemento essencial
do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma
das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e
na angústia”.
Perante isso, utilizar o filme “Narradores de Javé”
é mostrar aos estudantes que eles também estão inseridos no processo histórico
e que as aulas de História também podem ser prazerosas, já que a mesma trabalha
com pesquisa, temporalidade, memória individual e coletiva, como nos mostra Le
Goff:
“Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento
é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que
dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios
da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória
coletiva” (LE GOFF, 1994, p. 426).
O filme nos permite tratar a questão de que a História não é somente
aquela dita “oficial”, presente em documentos do Estado ou nos livros. A
história é feita por todos. Partilhamos da premissa da Terceira Geração da
Escola dos Annales, ou "Nova
História Cultural", segundo a qual, toda atividade humana é considerada
história.
A escola enquanto espaço que visa preparar o
indivíduo para exercer atividades favoráveis ao crescimento da comunidade, deve
procurar cada vez mais auxiliar no processo da construção de atitudes críticas,
tornando-se encarregada de promover atividades que atendam as exigências
sociais.
Referências
Valdemir Paiva é mestrando em História pela Universidade
Federal do Paraná – UFPR.
Pedro Henrique Caires de Almeida é licenciado em História
pela Universidade Estadual do Paraná.
ABUD, Katia Maria. A construção de uma Didática da História:
algumas ideias sobre a utilização de filmes no ensino. In: História, São Paulo,
n° 22, p. 183-193, 2003.
Bergamaschi, Maria Aparecida. Narradores de Javé: a memória
entre a tradição oral e a escrita. In: www.museu.ufrgs.br/admin/artigos/arquivos/NarradoresJave.doc
BRASIL. Secretaria de Educação. Parâmetros Curriculares
Nacionais: História. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CERTEAU, Michel de. A
Escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
FGV CPDOC. O que é
História Oral. In: http://cpdoc.fgv.br/acervo/historiaoral
LE GOFF, Jacques. História e memória. 3ª. ed. Campinas, SP:
Editora da Unicamp, 1994.
MARQUES, Rogério.
Narradores de Javé. Cinema, História Oral e Arquivos. In: http://lounge.obviousmag.org/jollyroger_80s_para_as_massas/2015/08/narradores-de-jave-cinema-historia-oral-e-arquivos.html
Olá Pedro Henrique e Valdemir! Inicialmente parabéns pelo trabalho! Lendo o texto de vocês fui me lembrando de uma oficina de cinema e o primeiro filme desta oficina foi justamente Narradores de Javé! A priori um medo dos alunos gostarem ou não, mas foi muito bom e a percepção do filme sobre a história é interessante, pois a população se atenta pelo fato de ter uma história a partir de uma situação problema... Isso pra introduzir os métodos da história, sobretudo no médio é uma boa!
ResponderExcluirOlá Pedro Henrique e Valdemir! Inicialmente parabéns pelo trabalho! Lendo o texto de vocês fui me lembrando de uma oficina de cinema e o primeiro filme desta oficina foi justamente Narradores de Javé! A priori um medo dos alunos gostarem ou não, mas foi muito bom e a percepção do filme sobre a história é interessante, pois a população se atenta pelo fato de ter uma história a partir de uma situação problema... Isso pra introduzir os métodos da história, sobretudo no médio é uma boa!
ResponderExcluirJefferson Fernandes de Aquino
*repeti o comentário, pois esqueci de assinar!
Olá, professor Jefferson.
ExcluirPrimeiramente, obrigado por ler nosso texto e deixar seu comentário!
Sobre o medo dos alunos não gostarem do filme, nós entendemos muito bem. Quando se trata de filmes com temáticas históricas, ou os que fazem debater sobre, sempre existe uma predileção aos filmes norte-americanos em detrimento dos nacionais, pela suposição de diferenças na qualidade. Mas sabemos que isso é não verdadeiro. “Narradores de Javé” prova isso: um filme nacional, de produção relativamente simples, mas que, além de ser um ótimo entretenimento, provoca os mais interessantes debates sobre métodos da História, sem ser nem um pouco academicista. Uma ótima ferramenta para se trabalhar em sala de aula.
Att.
Pedro e Valdemir
O filme me trouxe várias reflexões a cerca do que foi apresentado na dramaturgia.
ResponderExcluirPrimeiro, a importância da história como fonte documental e registro de uma cidade ou vilarejo. esse tipo de documento é que enraíza as verdades históricas de um lugar. A população pecou por não fazê-lo mesmo antes do tal progresso chegar. As instituições, as pequenas e grandes cidade todas elas tem quase como obrigação de ter seus fatos históricos registrados como fonte de estudos e documental precisa para manutenção das mesmas.
Segundo, a cidade não tinha sequer o monumento marco zero em memória da fundação da mesma por 'Seu Indalécio", historicamente conhecido como primeiro morador de Javé que também poderia ser usada como monumento histórico e partir daí se originar como berço do local. Não havia registros de nada, somente histórias mal contadas e sem nenhuma fonte real.
Terceiro, a cidade até tinha monumento histórico, a igreja e o próprio sino serviria como álibi documental histórico. Faltou perspicácia do então designado a escrivão do livro Antonio Biá a perceber tais coisas como fonte.
Quarto, mesmo com pouquíssimas fontes de pesquisa Biá faltou de conhecimento em como redigir um texto histórico. Além de iniciativa, pois o documento não foi escrito uma virgula sequer, faltou seleção dos fatos contados. Faltou a relação de reciprocidade entre o "historiador" e os fatos.
Quinto,o filme nos trouxe também reflexões em outros diversos temas como: Crenças, valores, formação da cultura de um povo, educação, oralidade científica, heranças históricas e principalmente o embate entre progresso e a realidade de uma cidade de população analfabeta.
Sexto, Narradores de Javé me fez perceber o quão es grande a importância da história. Onde não há história, não há fatos, não há documentos, não monumentos, não há sequer lembrança!
A indagação que deixo é: O filme Narradores de Javé nos submetem aos mesmos pensamentos críticos de Pierre Nora e Jacques Le Goff?
JIULIANO RODRIGUES DE ABREU
Discente História - UECE
E=mail: gilldeabreu@gmail.com
Boa tarde,
ExcluirJuliano, as suas reflexões nos fizeram pensar em muitas dimensões que se estendem das realidades sociais até as dificuldades de produção histórica e da consciência histórica.
Sobre a primeira indagação, consideramos muito importante o registro documental das pequenas e grandes cidades pelas instituições sobre a sua formação, no entanto, não são todas que têm essa consciência de preservação. Cremos que não é só dessas "raízes documentais" que ditam sobre a formação institucional e "se enraízam as verdades históricas", não desconsiderando tal registro, mas ampliando essa perspectiva sobre o processo que contribui diretamente na construção da alteridade de um determinado povo, isto é, na formação de laços que somam aos mitos, ao religioso, sendo recontados pelo povo e são considerados história.
Essa forma de enfrentar a produção da história em vias de documentos oficiais é uma forma de se conseguir abarcar a historicidade dita oficial, mas que não se limita apenas a mesma. É como a História Social Cultural ou a Nova História Cultural que no século XX amplia a nossa percepção sobre, apresentando a importância de buscar nos contos populares, nas tradições, nas classes menos favorecidas, operários(as)... Neste sentido, também não julgamos, que na trama do filme a população tenha errado em não escrever uma história oficial, por possivelmente não ter essa consciência histórica para registrar, haja vista as condições simples e sofrida em que os personagens se apresentam de vidas difíceis no nordeste brasileiro, sendo todos analfabetos exceto Biá, por conseguinte, estamos falando de uma trama ficcional, onde a liberdade poética está implícita.
Na segunda percepção, que de alguma forma se interliga com a primeira, os contos populares possuem uma importância histórica, como trabalhado por Thompson em “Costume em Comum - estudo sobre cultura popular tradicional”; Por Robert Darton, em “O Grande Massacre de Gatos”... As tendências historiográficas contemporâneas, sobretudo pós-modernas, apontam que o fazer história não consiste apenas no material, como em registros documentais, mas que também compreende os sentimentos, subjetividades, até nesses contos populares que Antônio Biá menciona: são contos muitos ditos e nunca escritos. Assim estamos falando de uma história longe de do cunho positivista, ou seja, múltipla e cheia de versões/contradições.
Atrelando nas demais questões, o que Jacques Le Goff busca refletir sobre documento monumento é justamente uma crítica sobre a tomada dos documentos oficiais e endeusamento deles como monumentos. A história não é feita de monumentos. Embora tenhamos marcos ou datas de registros, é sabível que nenhum acontecimento histórico se resume a data de aniversário de uma cidade, mas em um processo de criação, emancipação e desenvolvimento de laços identitários para com aquele espaço. Portanto, correlacionando com a história das mulheres e parafraseando Michelle Perrot ao tratar do silêncio das mulheres na história, a mesma menciona que essas estiveram no silêncio mais profundo, o silêncio das fontes e que recentemente estamos revendo esse apagamento. Ou seja, embora ainda nos esbarramos na dificuldade de ter fontes sobre as mulheres na história, sabemos que as mesmas possuem uma história e que estiveram em guerras, nas lavouras, em casa, na prostituição... em diversos locais, mas que os registros a calaram por tempos.
Por fim, consideramos que o filme possibilita a inspiração para pensarmos sobre o que é considerado conhecimento histórico/fonte, para além de um domamento, nos permitindo pensar o imaterial em Jaques Le Goff e atrelado ao Pierre Nora, que ao discutir identidades, memórias e o ofício do historiador são elementos cadentes no filme narradores de Javé.
Att,
Pedro e Valdemir
Este comentário foi removido pelo autor.
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