A
REVOLUÇÃO FRANCESA REVISITADA:
QUADRINHOS,
GÊNERO E ENSINO DE HISTÓRIA
Introdução
Este texto tem por
objetivo narrar e realizar uma breve análise da experiência de prática de
ensino desenvolvida no 8º ano do Ensino Fundamental do Centro de Ensino de
Pesquisa Aplicada à Educação/UFG, a partir da HQ, ou grafic novel, ‘Olympe de Gouges’. Este objetivo, embora aborde
teoricamente uma experiência, configura-se a partir de um caráter bastante
prático. Todavia, nem por isso esmaece que a discussão das HQs no ensino de
História é expressão de uma problemática maior que são as (novas) linguagens no
ensino de História. Não se trata, contudo, de simplesmente defender a
“validade” das histórias em quadrinhos enquanto documentos aptos para a
compreensão de processos históricos. Para além disso, apresento uma amostra da
diversidade de questões históricas, sociais e cognitivas que essa linguagem
própria da cultura visual pode oferecer para a construção do conhecimento,
sobretudo histórico.
Considerando as várias
potencialidades dadas pelo uso das HQs em sala de aula – já elencadas e
desenvolvidas por autores pioneiros no estudo dos quadrinhos no ensino –, busco
destacar aqui a metodologia adotada nesse projeto de ensino, pois ele abrangeu
desde a identificação da obra e seu reconhecimento como fonte e objeto
histórico até a produção de HQs pelos próprios estudantes, observando o eixo
temático estudado. Ao fim, os alunos e alunas ainda trabalharam na organização
do material produzido em uma exposição instalada em um evento de divulgação
científica e cultural do colégio.
A partir da
necessidade de atender o programa curricular do 8º ano da educação básica propôs-se
o eixo temático “Mulheres, ontem e hoje: direitos e políticas”, para o estudo
do Iluminismo e da Revolução Francesa. O projeto de ensino teve a duração
compreendida em uma escala, ou bimestre. A história em quadrinhos ‘Olympe de
Gouges’ apresentou-se como um oportuno e importante instrumento para esse
estudo, conforme busco narrar e desenvolver a seguir.
Desenvolvimento
No primeiro dia do trabalho com a HQ, a professora
apresentou toda a proposta aos estudantes, partindo do conhecimento prévio de
que as turmas (A e B) estavam estudando a linguagem dos quadrinhos – a chamada
nona arte – na disciplina de Artes. A
obra ‘Olympe de Gouges’ foi publicada em 2012 na França, pela
editora Casterman, fundada em 1780, portanto no auge do período iluminista, na
França pré-revolucionária. A editora se propôs a atender as necessidades
editorais de sua época, evoluiu e atualmente publica literatura infanto-juvenil
e histórias em quadrinhos, para jovens e adultos. Ressaltando as
especificidades do seu corpo de autores/artistas, a Casterman diz que suas
escolhas são pautadas em artistas que “oferecem uma abertura ao mundo e colocam
um olhar humanista na sociedade ou na história” [CASTERMAN, 2018]. A HQ tem
texto do escritor de romances, biografias e quadrinhos, José-Louis Bocquet e é
ilustrada pela artista Catel Muller, que já ilustrou também mais de cinquenta
livros e importantes obras e séries nos quadrinhos. A edição brasileira de
‘Olympe de Gouges’ foi lançada em 2014, pela Editora Record, e tem tradução de
André Telles.
‘Olympe de Gouges’ é
uma graphic novel (romance gráfico)
que narra a biografia e a luta da escritora francesa, fortemente influenciada
pelos ideais iluministas, que viveu e morreu no período da Revolução Francesa.
O termo graphic novel refere-se a um
tipo de livro que por meio da arte sequencial, ou quadrinhos, conta uma longa
história. Geralmente é utilizado para qualquer quadrinho de longa duração,
sendo análogo a uma prosa ou romance na literatura. De fato, a obra em questão
tem 408 páginas, além da cronologia de Olympe de Gouges e dos principais
acontecimentos de sua época, e das pequenas biografias com retratos ilustrados
dos personagens principais e secundários da revolução de Olympe. Sua revolução
também, pois foi ela quem redigiu em 1791 a ‘Declaração dos Direitos da Mulher
e da Cidadã’, reivindicando a igualdade entre os sexos e o direito ao voto –
uma luta que duraria até o século XX. Olympe expressava suas ideias através da
literatura, escreveu inúmeras peças teatrais, com as quais se consolidou como
uma polêmica defensora dos ideais feministas e abolicionistas.
Fig.
1
(BOCQUET,
2014, capa)
Fig.
2
(BOCQUET,
2014, p. 334-335)
Levando-se em conta a
força e protagonismo do atual movimento feminista, no Brasil e no mundo, sobretudo
no que diz respeito à consolidação dos direitos das mulheres, a HQ foi
inicialmente apresentada aos estudantes do ponto de vista do objeto cultural
historicamente produzido, ou melhor, como uma prática cultural que (des)envolve
questões pertencentes a determinado contexto. Os quadrinhos “devem ser vistos
como práticas, formas de se pronunciar, debater, questionar questões políticas,
sociais, econômicas da época, do momento de sua produção”. Dessa forma, acabam
por se constituir como resultado de um campo de disputas e negociações. Isso
significa dizer que as HQs devem ser interpretadas, primeiramente, a partir do
diálogo com o tempo em que foram produzidas, monumentalizando-as, no sentido
apontado pelo historiador francês Jacques Le Goff. É preciso levar em conta que
“representações construídas nos e pelos quadrinhos dizem mais do contexto em
que foram produzidas do que propriamente de uma temporalidade passada”
[RODRIGUES, 2017, p. 434].
Todavia, é importante ressaltar que a produção do
conhecimento histórico como objeto do ensino de história é um dos pilares do
projeto de ensino da disciplina de História no Colégio de Aplicação da UFG.
Adota-se a concepção de que os conteúdos devem ser tratados enquanto versões
historicamente produzidas, de maneira que os estudantes estão em contato não
apenas com uma ampla revisão historiográfica, como também com uma
multiplicidade de objetos históricos. O trabalho com documentos históricos
torna-se fundamental ao ensino de história, visto que possibilitam ao aluno
aproximar-se do ofício do historiador, delineando o processo de construção do
conhecimento histórico. Dito isto, torna-se bastante compreensível a ideia de
que as duas turmas envolvidas no desenvolvimento dessa experiência de ensino
aceitaram a proposta com bastante naturalidade e até mesmo entusiasmo.
O autor da graphic
novel aponta, na bibliografia, que “as fontes da trama biográfica desta
obra repousam nos escritos autobiográficos de Olympe de Gouges, bem como nos
trabalhos pioneiros de três autores que a revelaram ao grande público e
permitiram sua reabilitação”. Já “a trama histórica do relato inspira-se numa
ínfima parte da bibliografia universal dedicada ao século XVIII e à Revolução
Francesa” [BOCQUET, 2014, p. 484], e seguem-se cinco páginas de referências
historiográficas. Assim, metodologicamente, passou-se à segunda etapa do
trabalho, quando professora e alunos começaram a instrumentalizar os
quadrinhos, relacionando sua trama biográfica com o conteúdo histórico estudado.
Para o historiador
Douglas Lima, um dos enfoques para a utilização de HQs no ensino de História
pode ser “ilustrar ou fornecer uma ideia de aspectos da vida social de
comunidades do passado”, assim como podem também serem utilizadas “como ponto
de partida de discussões de conceitos importantes para a História”. O autor
lembra a relação similar dos quadrinhos com o cinema e outros sistemas de
imagens, considerando que narram fatos e feitos, sendo em essência uma história
em imagem. Ficamos diante da problemática de trabalhar a narrativa histórica,
os fatos históricos, mediante uma narrativa ficcional. Assim, mesmo que esta
questão apareça de maneira mais enfática nos estudos relacionados ao cinema e
história, acabamos por retornar à ideia de que as HQs também “não apenas
ilustram a realidade, elas a constroem a partir de uma linguagem própria – como
arte sequencial, por definição de Will Eisner (1999) – produzida num
determinado contexto histórico” [LIMA, 2017, p 153].
Neste sentido, a professora
trabalhou os conteúdos – Iluminismo e Revolução Francesa – tendo como eixo a
narrativa visual e discursiva da obra ‘Olympe de Gouges’. Devido à extensão dessa
graphic novel foi necessário
entremear momentos de “contação de história” da trama biográfica com outros de
leitura individual dos alunos e a posterior discussão em sala de aula dos
blocos de páginas selecionadas do livro – um bloco relacionado ao Iluminismo e
outros três relacionados ao processo revolucionário, às tradicionalmente
chamadas fases da revolução.
Uma característica
muito importante na obra auxiliou o desenvolvimento da proposta de ensino, que já
considerava, desde o seu projeto, que as HQs ampliam e constroem nosso
conhecimento histórico. Refiro-me ao fato de dos autores da HQ criarem quadros
na história que remetem diretamente a grandes obras artísticas produzidas no
período em questão. Assim como nas Figuras 3 e 4, que retratam a Assembleia dos
Estados Gerais temos releituras de obras como ‘O juramento da Péla’ (1791) de
Jacques-Louis David e ‘Filósofos Iluministas reunidos no salão de madame
Geoffrin’, óleo sobre tela de Anicet-Charles Lemonnier, de 1812. Porém, os
autores trabalham também com as famosas ilustrações – que se popularizaram
neste momento histórico – e que aludem a fatos históricos como o primeiro vôo
de balão de ar quente, em 1783 e à Marcha de Mulheres sobre Versalhes, em 1789.
Neste sentido, Alexandre Barbosa também afirma que as HQs,
“(...) trabalham com a
ficção, mas carregam em si todos os elementos que contatam a realidade, tanto
no discurso da escrita como no discurso visual. O autor dos quadrinhos – principalmente aquele que trabalha com os
chamados quadrinhos históricos – remete ao leitor a documentos que são
tidos como verdadeiros, por uma visão subjetiva, que é aquela dada pelo
artista; dessa forma ele constrói a cada momento uma nova história, com um
olhar cotidiano, influenciado pelos novos estereótipos ou por novos ícones da
cultura de massa” [BARBOSA, 2009, p. 106, grifos nossos].
Fig.
3
(BOCQUET,
2014, p. 283)
Fig.
4
O trabalho pautou-se,
então, no desenvolvimento e reflexão sobre a trama biográfica proposta pelos
autores da HQ, mas lançando mão, sobretudo, dessas leituras subjetivas dos
artistas sobre os chamados fatos históricos. Para tanto, a metodologia histórica
propõe que a linguagem dos quadrinhos possa ser integrada a outras leituras de
obras eruditas e acadêmicas, assim como também propõe o projeto de ensino da
disciplina História no CEPAE/UFG, conforme apresentado anteriormente. Neste
sentido, a cada bloco de leitura do livro selecionado pela professora, havia
também algum quadro composto por essas leituras subjetivas de documentos
históricos, os quais eram trabalhados e analisados em suas duas versões, a
releitura dos artistas contemporâneos e a obra original, como demonstram as Figuras
3 e 4.
Durante o período de
leitura e análise da obra, os estudantes desenvolveram, como atividade extra
aula, o roteiro das histórias em quadrinhos que eles criariam e produziriam
como atividade avaliativa final do projeto, ou escala. Os roteiros também
fizeram parte do processo avaliativo e se apresentaram como um importante
mecanismo para que ajustes fossem feitos às histórias, com o auxílio da
professora e acompanhando o desenvolvimento das habilidades nas aulas de Artes.
Essa atividade também já era parte integrante da terceira etapa da proposta,
isto é, a criação de produtos (HQs) pelos próprios alunos e alunas que
buscassem relacionar o conteúdo estudado a partir da perspectiva de gênero
apresentada pela graphic novel ‘Olympe
de Gouges’ com o atual momento e movimento feminista. O próprio subtítulo
adicionado à obra na edição brasileira já convidava a esse diálogo –
‘Feminista. Revolucionária. Heroína’.
Os estudantes de ambas
as turmas demonstraram interesse e comprometimento com a proposta de ensino,
sendo que apenas um grupo não entregou o trabalho no prazo previsto e outro
solicitou a substituição por uma atividade escrita. Obtivemos resultados
diversos, tanto no sentido dos tipos de produtos finais, com histórias mais
longas, com bastante texto e outras com o caráter quase de tirinha de
quadrinhos (Figuras 5, 6, 7, 8).
O mais importante, no
entanto, não está no produto final, mas no processo de construção do
conhecimento, histórico principalmente, mas também em inter-relação com outras
linguagens – como as artes e as línguas portuguesa e francesa –, mesmo que o
projeto não tenha sido pensado de antemão como uma proposta interdisciplinar.
Fig.
5
Fig.
6
Fig.
7
Fig.
8
(HQs
criadas por grupos de estudantes do 8º ano do ensino fundamental, CEPAE/UFG)
Do ponto de vista
investigativo da didática da história foi possível observar nas histórias em
quadrinhos criadas pelos estudantes a elaboração de importantes conceitos
históricos, bem como um intenso e amadurecido processo de reflexão,
questionamento e relação acerca do tempo-espaço passado e o qual vivem e se
relacionam. É possível apreender por meio das histórias criadas que o projeto
contribuiu ao processo de desenvolvimento da consciência histórica dos alunos,
mas igualmente permitiu que acessassem questões que buscavam promover a
reflexão e a análise da realidade social na qual estão inseridos, identificando
e discutindo os problemas contemporâneos.
Finalmente, após
finalizado o projeto de ensino tal como estava planejado, professora e turmas
consideraram o trabalho tão satisfatório que aproveitou-se a ocasião e alguns
poucos alunos e alunas se prontificaram a trabalhar na criação, montagem e
organização de uma exposição com as histórias em quadrinhos do 8º ano no evento
‘Semana da Diversidade’ que acontece no colégio ao final dos anos letivos.
Considerações
Finais
É possível afirmar que
a HQ ‘Olympe de Gouges’ constituiu-se como um inovador e oportuno documento
para estudo de conceitos históricos, como os desenvolvidos no projeto de ensino
e apresentados neste texto, ou seja, Iluminismo e Revolução Francesa. Assim, é
possível corroborar a ideia de que as HQs contribuem para ampliar e construir o
conhecimento do passado e, dependendo da obra e/ou da maneira como são
abordadas, também do presente. Além de abordar a diversidade da experiência
humana e a percepção dos consensos e conflitos que se estabelecem entre os
diferentes sujeitos sociais, permitem discutir a historicidade das experiências
sociais de participação dos indivíduos e grupos sociais na construção coletiva
da sociedade, valorizando conceitos, habilidades e atitudes que promovem a
construção da cidadania. Finalmente, cumpre ressaltar que a educação escolar solicita
inserir ainda o respeito à diversidade, o que implica incluir um ensino pautado
no conhecimento de diversas culturas, religiões, e modos de vida. Essa é, sem
dúvida, mais uma missão cumprida pelas histórias em quadrinhos na sala de aula.
Referências
Juliana Ribeiro Marra
é mestre em Performances Culturais (UFG) e graduada em História (UFG).
Atualmente é Professora Substituta no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à
Educação/UFG.
BARBOSA, Alexandre.
História e Quadrinhos: a coexistência da ficção e da realidade. In: VERGUEIRO,
Waldomiro; RAMOS, Paulo (Org.) Muito além
dos quadrinhos: análises e reflexões sobre a 9ª arte. São Paulo: Devir,
2009. P. 103-112.
BOCQUET, José-Louis. Olympe de Gouges / texto e ilustração
José-Louis Bocquet, Catel Muller; tradução André Telles – 1ª. ed. Rio de
Janeiro: Editora Record, 2014.
CASTERMAN, Edições. Qui sommes-nous? In:
https://www.casterman.com/Footer/Qui-sommes-nous.
Acesso 08 mar 2018.
LIMA, Douglas Mota
Xavier de. Histórias em quadrinhos e
ensino de História. In: Revista História Hoje, v. 6, n. 11, p. 147-171.
2017.
RODRIGUES, Márcio dos
Santos. Notas sobre o uso de histórias em quadrinhos no ensino de História. In:
BUENO, André; CREMA, Everton; ESTACHESKI, Dulceli, NETO, José Maria (Org.) Jardim de Histórias: discussões e
experiências em aprendizagem histórica. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição
Especial Ebook LAPHIS/Sobre Ontens, 2017. p. 433-436.
Bom dia Juliana,
ResponderExcluirA análise da obra e o posterior desenvolvimento de HQs pelos próprios estudantes cria o protagonismo necessário para que o (a) estudante não seja mero receptor dos conhecimentos trazidos pelo (a) professor (a). Quais os procedimentos que utilizastes para que o corpo discente produzisse suas próprias HQs?
Maicon Roberto Poli de Aguiar
Olá Maicon, boa noite.
ExcluirSem dúvidas o objetivo desse projeto de ensino foi viabilizar o protagonismo dos estudantes. O processo de produção das HQs não foi muito complexo, pois, conforme indicado no texto, eu já tinha o conhecimento prévio de que os alunos e alunas já estavam estudando a linguagem dos quadrinhos na disciplina de Artes. Porém, ainda assim, mapeei e incentivei, no início do trabalho, a relação deles com os quadrinhos. Assim, pude dimensionar o real envolvimento que a proposta poderia despertar nas turmas, bem como o que eu poderia esperar dos produtos finais. A grande questão foi incentivar a criatividade dos estudantes, pois, por mais que tivéssemos utilizando um livro como referência, várias histórias trouxeram influências diversas, portanto advindas de outro tempo/espaço para além da sala de aula - como na Figura 5 em que percebemos fortes características dos mangás.
Outro ponto importante, também detalhado no texto, foi o processo de produção dos roteiros das histórias, fundamental para que a professora pudesse sugerir ou problematizar as histórias que estavam sendo criadas. De resto, os alunos e alunas tinham a temática e a liberdade de criação.
Agradeço muito o seu comentário e questão!
Juliana Ribeiro Marra
Olá Juliana, tudo bom? Gostei muito do uso dessa HQ na sala de aula. Confesso que não imaginava usar essa história com pessoas do oitavo ano (13-14 anos). Então tenho uma pergunta: O que eles acharam da HQ em si? Em geral os adolescentes (?) gostam de inovações e de usar coisas diferentes na sala, mas especificamente dessa HQ, o que eles disseram? Acharam simples? Acharam interessante? Quais depoimentos você conseguiu coletar?
ResponderExcluirOlá Rodrigo, eu vou bem, e você?
ExcluirQue bom gostou da experiência que narrei, admito que foi um desafio, mas também fiquei satisfeita com os resultados. A primeira questão que surgiu como problemática foi a extensão da obra, para mim, ao pensar uma metodologia viável; aos estudantes, por pensarem que teriam que ler livro tão grande. Quando eu mostrei o livro a eles, ficaram, portanto, primeiramente aliviados ao se depararem com os quadrinhos. As reações foram diversas, embora a maioria tenha aprovado a experiência. Alguns poucos alunos não se envolveram (aqueles que não se envolvem com "nada"), mas no geral, ficaram muito interessados e curiosos com os detalhes da história, que cabia a mim narrar, principalmente a parte biográfica da obra, já que o objetivo era desenrolar para a "macro-história" da Revolução Francesa. Vínhamos de aulas anteriores em que havíamos estudado a crise do absolutismo francês a partir do filme "Maria Antonieta", de Sofia Copolla, de maneira que algumas alunas, principalmente, ficaram fascinadas com a questão da moda. Elas passaram longos períodos colorindo suas xerox das histórias com as tonalidades do rococó e muitos me questionavam porque a história não era colorida. Uma outra especificidade foi observar o envolvimento e despertar para a linguagem dos quadrinhos dos alunos com necessidades especiais, dois, no caso. Um deles criou histórias incríveis, com argumento e processo criativo que ele não alcançava somente no texto escrito. Uma aluna tentou se engajar para adquirir o livro, mas acabou desistindo porque ele não tem mesmo um valor acessível. Finalmente, de maneira um pouco informal, tive sim a oportunidade de recolher alguns depoimentos, quando, ao final do ano letivo fiz uma roda de conversa para avaliação da disciplina. Ali eles expuseram o estranhamento e desconfiança que a obra e a metodologia causou a princípio, pois nunca haviam realizado atividades nesse sentido, com quadrinhos. Porém, ressaltaram também que acabaram gostando da experiência, pois conheceram novas linguagens, temas, personagens e, acima de tudo, puderam exercitar a criatividade e pesquisa.
Fato curioso foi observar que a mesma proposta foi feita no 2º ano do ensino médio, mas a empolgação dos estudantes foi bem mais reduzida, de maneira que só a primeira e segunda parte do projeto foram realizadas nessa série, ou seja, esses estudantes não produziram HQs, apenas analisaram a obra Olympe. Ainda não sei se isso se deu devido à especificidade da turma, mas a proposta, surpreendentemente foi melhor aceita entre os estudantes mais jovens.
Espero ter dado conta das suas questões e agradeço muito seu comentário e interação.
Abraço,
Juliana Ribeiro Marra
Muito bacana Juliana. Acho que a gente devia conversar mais sobre essa sua interação. Sou professor aqui em Curitiba do mestrado em Educação e Novas Tecnologias, e trabalho com educomunicação (além de ter feito toda minha vida acadêmica com fontes de HQ). Acho que poderíamos nos unir e fazermos artigos ou algo assim, se você estiver interessada.
ExcluirVou deixar meu email aqui - rodrigoscama@gmail.com
abraços
Rodrigo Otávio dos Santos
Oi Rodrigo, que legal! Admito que desde o seu primeiro comentário tive a impressão de que já tinha ouvido seu nome e dei uma "stalkeada" nas redes, rss. Adorei sua proposta, fico realmente agradecida. Preciso apenas finalizar um intensa fase de produção nesse semestre, mas muito em breve chegará sim uma mensagem minha em sua caixa de email.
ExcluirAbraço,
Juliana Ribeiro Marra
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ResponderExcluirBoa tarde Juliana!
ResponderExcluirPrimeiro quero te parabenizar pelo teu tema, e sucessivamente pela aplicação do mesmo em sala de aula. Pude observar que o teu foi o único artigo relacionado ao gênero do simpósio, e isso me chamou muito a atenção por ser eu ser uma estudiosa do campo também.
Gostaria de saber como foi a sequência da aplicação do projeto ‘Olympe de Gouges’, como os alunos reagiram posteriormente a atividade? Se os efeitos na temática de gênero surtiram efeitos, até pela idade dos alunos?
E mais por curiosidade mesmo, qual foi o motivo que te levou a escolher este tema?
Novamente te parabenizo pelo tema e pela destreza no desenvolvimento do mesmo.
Marília Guaragni de Almeida - Mestranda em história na Universidade de Passo Fundo
Olá Marilia, bom dia!
ExcluirAgradeço por seu comentário e questões. Em relação aos aspectos relacionados ao gênero, arrisco dizer que sim, o projeto surtiu efeitos. Assim como coloquei ao Rodrigo, é importante observarmos que as turmas não apresentam uma homogeneidade, ao contrário, tivemos reações das mais diversas. Podemos dizer que uma parcela se envolveu muito em atividades posteriores, principalmente as que ocorreram na Semana da Diversidade, evento que acontece ao final do ano letivo no colégio. Esse grupo era composto por algumas alunas e por dois alunos, homossexuais. O grupo organizou a exposição das histórias, mas também participou ativamente dos debates propostos pela escola, que estava às voltas com a problemática e pressões que envolviam a "ideologia de gênero ". Ainda em relação ao tema, ressalto também que os estudantes já estão bastantes acostumados a abordá-lo, também em outras disciplinas, dado que os Colégios de Aplicação costumam abordar assuntos relacionados à diversidade em seu ensino.
Sobre a escolha do tema, a própria pesquisa sobre a Revolução Francesa me colocou diante dos quadrinhos de Olympe, trazendo figura tão importante dos primórdios da luta pelo reconhecimento dos direitos das mulheres, e tão injustamente relegada ao esquecimento. Sendo assim, considerei de extrema importância, e uma ótima oportunidade, para repensar com os estudantes a história oficial.
Novamente, obrigada pelas suas colocações, espero ter ajudadonos esclarecimentos.
Abraço,
Juliana Ribeiro Marra
Oi Juliana!
ResponderExcluirQue projeto interessante.
Gostei.
Lendo a resposta que deu ao Rodrigo, fiquei pensando nos alunos do ensino médio. O que será que levou os mais velhos a não produzirem HQ?
Lembro que quando dava aula no ensino fundamental, sempre que propunha atividades desse tipo, a reação, à princípio, era tímida, mas depois virava uma farra.
Hoje, na Universidade, trabalho com um conto que eu escrevi e virou "livrozine". Depois de trabalhar a história de Goiás e ler o conto, cada um desenvolve uma história com base em saudade e mudança (questões presentes no zine) de sua vida. Interessante é que grande parte não quer desenhar. Muitos acabam escrevendo, ou desenhando somente à lápis preto, mesmo que eu coloque à disposição muitas caixas de lápisd e giz coloridos.
Isso me faz pensar nesse compromisso formador e na disponibilidade que temos enquanto ainda não estamos tão formatados...
Beijo
Cristina Helou Gomide
Oi Cris!
ResponderExcluirQue bom que gostou, fico muito feliz! É uma pena que eu só consiga te responder no finalzinho do Simpósio, mas nem por isso sua colocação deixou de ser um ponto super importante para pensar meu "projeto-oficina". Com certeza, vale refletirmos sobre as linguagens que temos à disposição para criarmos e elaborarmos nosso conhecimento, seja intelectualmente ou emocionalmente, e como as utilizamos. É muito interessante observar como a linguagem escrita é priorizada como sendo a linguagem mais séria, importante ou legítima na cultura ocidental. Refletindo sobre o seu comentário, pude encontrar mais sentido no fato de, à medida em que a faixa etária aumenta, encontrarmos mais resistência ao uso e expressividade por meio de outras linguagens. São tantas as questões que surgem: autocrítica, insegurança, desconfiança... Fiquei pensando, antes, sobre minha experiência de vida. Por que é que, conforme o tempo passa e nos tornamos adultos, vamos sendo gradativamente desestimulados a utilizar e desenvolver nossas habilidades a partir de outras formas de expressão, que não a escrita? Eu adorava desenhar, mas isso ficou no passado. Não me ocorre de tentar isso novamente e, se tiver que fazê-lo, talvez também faça a contragosto, sendo expelida para fora da minha zona de conforto. As outras linguagens, como o desenho, mas também a música, a dança, passam a ser classificadas como exclusividade de artistas, pessoas realmente talentosas. Não é como a escrita que, bem ou mal, espera-se que todos deem conta de se expressar por meio dela. Com certeza, a isso cabe outros estudos, específicos, que provavelmente já até existem, mas nem por isso a situação se torna menos provocadora. É sabido que a hermenêutica tomou, historicamente, as práticas de inscrição como objeto de estudo, sobrepondo-se a outras, como as chamadas "práticas de incorporação". Acredito, portanto, que também é trabalho nosso, historiadoras/es, questionar essa hierarquia e hegemonia das práticas de inscrição, buscando compreender e, na medida do possível, reparar esse tratamento injusto que nossa sociedade concede às chamadas linguagens artísticas.
Novamente, muitíssimo obrigada pelo seu diálogo e também pela disposição em ler e refletir sobre essa minha experiência de ensino.
Grande beijo,
Juliana Ribeiro Marra