A IMPRENSA NO ENSINO E PESQUISA
HISTÓRICA: A UTILIZAÇÃO DE JORNAIS COMO FERRAMENTA DIDÁTICA EM SALA DE AULA
A imprensa
se configura em um dos mais importantes produtos culturais humanos. Seja em seu
suporte mais comum, o formato impresso, seja através de meios de comunicação e
das plataformas digitais, ela é a principal responsável pela difusão de
informações. Mas a imprensa tem um papel que vai além deste. Ela representa, de
forma prática, o processo de catalisação e estruturação de ideias, objetivos,
ideologias e intencionalidades daqueles que a operacionam. Deste modo, a
imprensa traz, em seu escopo, de forma mais clara ou subjetiva, um reflexo do
que pensam e querem determinadas pessoas ou grupos, transplantando esses
elementos para a sociedade através da transmissão de conteúdos.
No campo da
História, mais especificamente no que se refere à pesquisa, o uso da imprensa
tem ganhado um destaque maior a partir da renovação historiográfica advinda das
proposições da Nouvelle Historie (no
Brasil chamada de Nova História), vinculada com a Escola dos Annales. Esse grupo de
historiadores, especialmente a partir da década de 1970, passou a propor o uso
de novas abordagens, problemas e objetos, para uma maior compreensão da
história humana. Com isso, abriu-se um espaço mais profícuo para trocas
interdisciplinares e uma ampliação daquilo que se considera documento histórico.
Sobre a imprensa, Maria Helena Capelato (1988, p. 13) afirma que ela “possibilita
ao historiador acompanhar o percurso dos homens através dos tempos” (CAPELATO,
1988, p.13). Para os historiadores, não apenas o passado pode ser percebido
através da imprensa, mas o presente também, tendo em vista que o meio
jornalístico, na medida em que enuncia discursos e expressões, como agente
histórico que intervém nos processos e episódios, conformando visões de mundo,
representações e ideias que podem ser disseminadas e apreendidas pelo meio
social. Não percamos de vista que “o conhecimento que temos da realidade é
mediado pelos fatos divulgados pela imprensa escrita e radiotelevisiva” (DE
LUCA; MARTINS, 2006, p.10).
Mas,
essa dinâmica, presente no campo da pesquisa histórica, pode ser estendida ao
campo do ensino, em sala de aula? Evidentemente que sim. Não apenas pode ser
ampliada como tem a necessidade de assim o ser, especialmente em uma realidade
global de informação instantânea e de cada vez mais fácil manipulação.
A escolha
de um jornal como instrumento de pesquisa e ensino justifica-se por entender-se
a imprensa fundamentalmente como instrumento de manipulação de interesses e de
intervenção na vida social. A imprensa não deve ser compreendida, apesar do
discurso muitas vezes presentes em seus slogans e editoriais, como algo neutro
ou imparcial. Ele, tanto no passado quanto no presente, interage, é
influenciado e influência o meio social no qual está inserido. Conforme Tania
de Luca,
“os jornais
não são, no mais das vezes, obras solitárias, mas empreendimentos que reúnem um
conjunto de indivíduos, o que os torna projetos coletivos, por agregarem
pessoas em torno de ideias, crenças e valores que se pretende difundir a partir
da palavra escrita (DE LUCA, 2005, p.140)”.
Associando-se
a esta afirmativa, devemos ter ciente que os jornais, por meio dos seus discursos,
“produzem estratégias e práticas tendentes a impor autoridade, uma deferência,
e mesmo a legitimar escolhas” (CARVALHO, 2005, p.149). E isso ocorre pelo fato
de ser” um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças
que aí detinham o poder” (LE GOFF, 2010, p.536). Os jornais procuram atrair o
público e conquistar seus corações e mentes. Para isso, utilizam de diferentes
estratégias, pois, conforme Maria Helena Capelato (1988, p. 15), “a meta é
sempre conseguir adeptos para uma causa seja ela empresarial ou política, e os
artifícios utilizados para esse fim são múltiplos”.
A partir do
que aqui foi exposto, o que podemos considerar mais necessário de ser
trabalhando com os alunos em sala de aula, utilizando-se a imprensa (de forma
especial a impressa, mas podendo ser ampliada para outros meios)?
O objetivo
maior deve ser despertar o senso crítico dos alunos, através de uma leitura
mais qualificada e de uma noção mais profunda dos caminhos de produção e
difusão de informações. Ou seja, buscar compreender o que “está por trás” de
determinada notícia, na forma como ela é escrita, no uso de certa imagem para
ilustrar, entre outros detalhes. Um dos grandes problemas relatados pelos
docentes, não apenas na Educação Básica, mas também no Ensino Superior, é a
falta de uma leitura adequada por parte dos alunos e um certo desinteresse em
saber a origem das informações que circulam no cotidiano. Vamos atentar para a
segunda questão.
Na
atualidade, especialmente nas redes sociais, encontramos as chamadas fake news, notícias falsas (deixando
claro que não se trata de um fenômeno recente, pois as mesmas já são
encontradas nos jornais impressos e nos meios radiotelevisivos há muito tempo).
Mas, com a ampliação do alcance e da velocidade das informações, esse elemento tem
chamado a atenção cada vez mais. Notícias compartilhadas sem uma averiguação de
sua procedência ou de sua veracidade se multiplicam cotidianamente. Mas, do
ponto de vista didático, esse problema é um dos links que podem ser utilizados pelos docentes, especialmente na
disciplina de História, para mostrarem como a imprensa e as informações podem
ser manipuladas e transmitidas em diferentes épocas de nossa sociedade.
Para isso,
podem ser utilizados jornais antigos quanto recentes. Um modelo prático: utilizando
três jornais recentes, de uma mesma empresa de comunicação ou de instituições
diferentes, se analisem como cada periódico leva ao leitor determinada notícia,
como, por exemplo, sobre as questões políticas nacionais ou das reformas
trabalhista e previdenciária pretendidas pelo Governo Federal. Com certeza,
serão percebidos elementos semelhantes, assim como diferenças, sejam na forma
de escrita do texto, na intensidade com a qual o tema é abordado (o tamanho da
reportagem), o destaque que a mesma ganha (se manchete e páginas principais ou
apenas uma breve abordagem), entre outros aspectos. Aqui trouxemos um exemplo
mais amplo, mas que nos ajuda na ilustração das possibilidades de uso da
imprensa em sala de aula.
Para
auxiliar na condução de uma apreciação crítica dos jornais, elaboramos, como
sugestão, um Roteiro de Análise,
enfocando os seguintes elementos:
1) Quem são os responsáveis (grupo
mantenedor, editores, conselhos editoriais...);
2) Qual o discurso que o jornal faz de
si mesmo (que imagem vende);
3) Quais são as seções, as partes que
formam o jornal e quais destas tem mais ênfase, destaque;
4) Detalhes técnicos (fotografias,
escrita dos textos, linguagem, diagramação, destaques de capa, manchetes...).
A partir
destes elementos, o professor pode aprofundar a questão, explorando melhor cada
um dos elementos norteadores, auxiliando os alunos na compreensão do processo
de elaboração, difusão e circularidade nas informações. Com isso, poderão
perceber as linguagens e intencionalidades que estão no bojo da construção de
uma notícia e na sua divulgação. E esse exercício pode possibilitar o
alargamento do olhar crítico dos envolvidos, não restringindo-se apenas no
campo de análise da imprensa, mas percebendo a necessidade de reflexão e de
criticidade em relação ao mundo e ao meio social na qual estão inseridos e
devem ser agentes ativos e participativos;
Referências
Rodrigo
Luis dos Santos é graduado (2013), mestre (2016) e doutorando em História pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. É coordenador e professor dos
Cursos de Graduação em Geografia e História do Instituto Superior de Educação
Ivoti, além de atuar no Curso de Pedagogia e atividades de extensão. Email: rluis.historia@gmail.com.
ALVES,
Fábio Lopes, GUARNIERI, Ivanor Luiz. A utilização da imprensa escrita para a
escrita da História: diálogos contemporâneos. Revista brasileira de ensino de
jornalismo, Brasília: vol.1, nº 2, p. 30-53, ago./nov. 2007.
CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e
História do Brasil. São Paulo: Contexto/EDUSP, 1988.
_______. PRADO, Maria L. O Bravo
Matutino. São Paulo: Editora Alfa-Romeu, 1980.
CARVALHO, Francismar Lopes de. O
conceito de Representações Coletivas segundo Roger Chartier. Diálogos,
DHI/PPH/UEM, v. 9, n. 1, p. 143-165, 2005.
CHARTIER, Roger. A História Cultural
entre práticas e representações. Col. Memória e sociedade. Trad. Maria Manuela
Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.
LE GOFF, Jacques.
“Documento/Monumento”. In: História e Memória. 5º ed. Campinas: Editora da
Unicamp, 2010.
LUCA, Tania Regina de; MARTINS, Ana
Luiza. Imprensa e cidade. São Paulo: Editora UNESP, 2006.
_______. A história dos, nos e por
meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. 2º
Ed. São Paulo: Contexto, 2010
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ResponderExcluirOlá bom dia professor Rodrigo, Excelente Texto!
ResponderExcluirTenho pensado por meio de leituras que venho realizando, que a imprensa como um todo se constitui em uma fonte diversificada que pode mostrar vários nunces a cerca da História de uma determinada época e sociedade. Diante disso, concordo que a mesma deve ser utilizada em sala de aula. Porém, como fazer isso de um modo a construir um conhecimento histórico com os estudantes que não sejam pejorativos e anacrônicos usando esse tipo de fonte com os alunos em sala de aula?
Amanda Pereira de Lima
Olá Amanda, boa noite
ExcluirDesculpe responder somente agora, mas infelizmente estive um tanto quanto afastado das atividades essa semana, por conta de problemas de saúde.
Sobre sua questão, um aspecto fundamental é ressaltar que o homem, em todos os momentos históricos, é marcado pela sua complexidade e pelo diferente uso de formas de se inserir no mundo no qual estava atrelado. Nesse sentido, deve-se conscientizar os estudantes de que a função histórica não é nem santificar e nem demonizar, mas sim mostrar as múltiplas faces do homem e do meio social no qual vive.
Um dos pontos fundamentais é perceber como se dá a construção da narrativa e das intenções que estão no bojo de um periódico e das notícias nele vinculadas. É preciso salientar que sempre há alguma intenção, mesmo quando do discurso de neutralidade e imparcialidade. Esses discursos, por sua vez, já demonstram um perfil ideológico daqueles que manipulam as informações.
Com base nessa compreensão, é preciso esclarecer que, por parte de quem faz a leitura e análise dessa fonte, se deve buscar uma apreciação crítica e, mesmo se estruturando uma visão sobre o que está se analisando, se deve ter em mente que é uma possibilidade interpretativa, que deve ver além do que está aparente, mas levantar questionamentos sempre.
E que é preciso sempre compreender o homem dentro de sua época, de sua visão de mundo e da relação social que estabelece com os outros. Isso permite, ao menos, fornecer subsídios para se evitar o anacronismo.
Espero ter, ao menos um pouco, ter respondido sua pergunta e ter ajudado.
Forte abraço,
Rodrigo
Olá bom dia professor Rodrigo, Excelente Texto!
ResponderExcluirTenho pensado por meio de leituras que venho realizando, que a imprensa como um todo se constitui em uma fonte diversificada que pode mostrar vários nunces a cerca da História de uma determinada época e sociedade. Diante disso, concordo que a mesma deve ser utilizada em sala de aula. Porém, como fazer isso de um modo a construir um conhecimento histórico com os estudantes que não sejam pejorativos e anacrônicos usando esse tipo de fonte com os alunos em sala de aula?
Amanda Pereira de Lima
Olá Rodrigo
ResponderExcluirParabéns pelo seu trabalho.
Gostaria de contribuir para a sua escrita, ressaltando também que tanto na pesquisa quanto na utilização da imprensa e espacialmente de jornais como fonte histórica, deve-se levar em conta a necessidade de compreensão da historicidade da fonte. Para isso, é extremamente necessário que o jornal não seja analisado por si só, mas sempre com base e em diálogo com outras fontes e a historiografia sobre o período.
Os jornais, sua construção técnica e seus sentidos variaram bastante no decorrer da sua História e em situações diversas, atingiam públicos distintos. Isso significa que sua utilização em sala de aula deve ser feita em colaboração com compreensão de outras características da sociedade analisada.
Um exemplo básico são os discursos presentes nos jornais paranaenses da última década do século XIX e início do XX. Neles, é bastante raro encontrarmos representações ligadas ao universo escravocrata. Ao mesmo tempo, os discursos de modernidade e progresso estavam em alta. Mas embora isso fosse um ideal dos produtores dos jornais, não necessariamente refletia a “modernidade” das regiões abrangidas por esses discursos.
Assim, creio ser bastante importante sempre, ao se utilizar do jornal enquanto fonte de pesquisa ou didática, não se utilizar apenas dele.
Abraço
Isaias
Olá Isaias, boa noite
ExcluirTudo bem?
Muito obrigado pela tua contribuição, que com certeza fomentam importantes reflexões.
Concordo plenamente contigo! Devemos fazer uso dos mais diferentes produtos culturais das sociedades humanas para, com isso, tentar vislumbrar a grande complexidade das mesmas. Por isso é preciso realizar a leitura crítica da fonte jornalística sob o prisma da conjuntura sociocultural, econômica, política e ideológica na qual é produzida. E, para que isso se torne eficaz, é necessário o confronto com outras fontes, além de cercar-se de um bom ferramental metodológico e de um robusto aparato teórico para isso. Só assim, estando embasado nisso, se pode fazer uma interpretação crítica realmente dessas fontes. E também utilizá-las no âmbito do ensino histórico escolar.
Forte abraço,
Rodrigo
Olá Rodrigo, gostaria inicialmente de parabenizá-lo pelo texto. Concordo com a ideia de fomentar o senso crítico dos alunos a partir da análise dos jornais como atores que tem ou defendem interesses específicos.
ResponderExcluirAcerca destas análises, você já fez algum trabalho semelhante em sala de aula? Como foi a experiência?
Att
Gustavo Henrique Kunsler Guimarães
Olá Gustavo, boa noite
ExcluirTudo bem?
Fiz esse trabalho em dois momentos: um com o Ensino Médio e outro no Ensino Superior.
Em um primeiro momento, com base em uma reflexão teórica e auxiliados com um roteiro de avaliação, analisamos detalhes dos jornais atuais. Depois disso, fizemos a apreciação de jornais da década de 1940.
A partir das informações obtidas e interpretadas pelos alunos, realizamos uma pesquisa sobre a conjuntura social, política, econômica e cultural do período, assim como buscamos mais informações sobre o jornal e seu corpo editorial, a empresa jornalística, entre outras informações.
Por fim, embasados por todas essas informações, debatemos os aspectos próprios dos jornais, buscando identificar quais os discursos, pensamentos e conjunturas na qual ele se inseria. Assim, foi possível perceber a construção de discursos e a manipulação de informações, de acordo com o momento histórico e a percepção de mundo do período.
Espero ter, ao menos um pouco, ter respondido sua pergunta.
Forte abraço,
Rodrigo
Sempre quando é proposta a análise de um jornal (ou outro tipo de fonte como revistas, filmes, músicas, etc.) em sala de aula é ponderado que se analise o posicionamento do jornal como também do autor do texto, logo que, o discurso presente nas publicações carregam interesses econômicos e políticos. E isso, podemos também ver em jornais do século XIX quando comparamos como um mesmo tema é divulgado no jornal em que seus integrantes faziam parte do partido conservador e como é apresentado no jornal que seguia a linha do partido liberal. São discursos diferentes. Como identificar se o discurso da noticia presente no jornal é fake news (entendendo que esse conceito é recente, mas levando entendimento que fake News se compreende como “noticia falsa”) ou a linha de pensamento do jornal? Como você vê essa questão?
ResponderExcluirLeônilda Fernandes da França
Olá Leônilda, boa noite
ResponderExcluirTudo bem?
Importante a sua colocação. E é um grande desafio. Talvez, um dos aspectos importantes para isso é a própria análise do discurso, confrontando-os entre si. E ampliar o leque de análise, buscando também outras fontes do período, para ter uma dimensão mais ampla dos fatos retratados e ressignificados nas páginas de jornais e periódicos, tanto do presente quanto de outras épocas, como o século XIX. Mas, ainda se configura um desafio interpretar e perceber a existência de "fake news" nos jornais dos séculos XIX e princípio do XX. Mas precisamos nos atentar para esses detalhes e nos embasarmos teórica e metodologicamente para isso.
Obrigado por sua contribuição.
Forte abraço,
Rodrigo
Estimados, boa noite
ResponderExcluirTudo bem?
Coloco-me a disposição para outros diálogos e troca de ideias sobre o uso desta e de outras fontes, tanto no âmbito da pesquisa quanto no de ensino.
Meu email é: rluis.historia@gmail.com
Forte abraço,
Rodrigo
Boa noite,
ResponderExcluirÓtima reflexão sobre o tema do ensino por meio da imprensa, destacando a necessidade de despertar o senso crítico nas crianças e jovens, contudo fico temerário de imaginar uma aula onde o professor por vezes despreparado e sem respaldo técnico/institucional das escolas públicas venha desenvolver uma atividade que alcance a finalidade proposta.
Uma saída seria propor o ensino por meio da fonte impressa de forma interdisciplinar? Com a disciplina de português para ler e interpretar a notícia, com geografia para poder localizar espacialmente e refletir junto com a história o que se passa nesse contexto, com a sociologia para ver a questão social do contexto e/outra matéria que o professor julgar necessário.
João Augusto Sanches Borgato