Rafael Dalyson dos Santos Souza e Jefferson Fernandes de Aquino


TRANSVERSALIDADE E ENSINO DE HISTÓRIA: COMPREENDENDO TRABALHO INFANTIL NUMA OFICINA NO PIBID-HISTÓRIA (CFP/UFCG)


Introdução
As práticas pedagógicas disciplinares não mais necessitam estarem fechadas e separadas entre si. Exemplo deste período era a própria disciplina de História no século XIX, fortemente marcada pelo positivismo e o cientificismo. Com o surgimento do conceito de interdisciplinaridade, as diferentes formas de conhecimento voltaram-se para temas que discutem saberes que interessam a todos. O objetivo geral torna-se formar o cidadão, respaldados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9394/1996), pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para a disciplina de História e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), a História sai da sua completa cientificidade e chega a sala de aula enquanto componente curricular.

A História, enquanto disciplina, passa, neste contexto, a ter uma ótica diferente da que vinha tomando em anos anteriores. No pós-Ditadura, houve uma ressignificação de valores, especialmente no que tange na concepção dos componentes curriculares obrigatórios da Educação Básica.

Nesta feita, a História apresenta-se, segundo o PCN (1998), com o papel de “difundir e consolidar identidades no tempo, sejam étnicas, culturais, religiosas, de classes e grupos, de Estado ou Nação” (BRASIL, 1998, p.29), tendo como um de seus objetivos “valorizar o direito de cidadania dos indivíduos, dos grupos e dos povos como condição de efetivo fortalecimento da democracia, mantendo-se o respeito às diferenças e a luta contra as desigualdades” (Idem, p.43).

E, é neste contexto que, através do PIBID-História (CFP/UFCG), buscamos nos apoiar nas concepções de interdisciplinaridade e transversalidade que, segundo Mucida [et.al] (2012):

“[...] os Temas Transversais inseridos na educação básica servem como eixos de articulação no processo educativo dando maior flexibilidade a este, uma vez que se podem incluir novos temas dentro da realidade local e regional de cada instituição de ensino.” (MUCIDA [et.al], 2012, p.3)

Assim, propomos fazer uma discussão sobre a cidadania no ensino, e o papel da escola como formadora de cidadãos, levando os alunos a perceberem tal processo como fundamental para a sua vida, visando propostas que discutam tais ideais.

Desenvolvimento
Como afirmamos anteriormente, a temática fora trabalhada durante uma das ações do PIBID-História na EEEF Dom Moisés Coelho (Cajazeiras/PB) e surgiu justamente a partir de um questionário – que continham outras temáticas e, cada uma delas, vinculadas a uma situação problema onde o aluno tinha “resoluções” para cada caso – onde uma das situações propostas apontava para que trabalhar e estudar verificava-se como um empecilho na vida da criança.

O uso de questionários como método para o ensino de História possui uma relevância por proporcionar o conhecimento do grupo que está respondendo, analisando suas características (GIIL, 2008, p. 125). Assim, para alcançar estes propósitos, realizamos questões sobre atitudes e crenças que objetivavam capturar através das respostas a questões que tratavam de temas variados. Um deles era o do trabalho infantil, visando perceber reações de quem responde, no caso, os alunos.

A pergunta foi desenvolvida em conjunto por um grupo de bolsistas com o auxilio e orientação do supervisor do PIBID-História (CFP/UFCG) na escola e tinham como objetivo, como já afirmamos, conhecer os alunos através de suas reações a perguntas que tratassem de situações. Assim, passamos a nos debruçar sobre os temas que, após a escolha do que viria a ser trabalhado, enveredamos na elaboração da questão/situação e suas respectivas alternativas.

Atentados para o cuidado na formulação das alternativas, levamos em consideração possíveis opiniões, por isso cada questão continha mais de duas opções, de modo que, o aluno pudesse refletir melhor e nós, ao analisarmos as alternativas, pudéssemos ter uma dimensão maior da realidade desse(s) alunado(s), pois é preciso levar em consideração que há reações e reações diante de uma determinada situação. Por isso, optamos por colocar reações extremas ao fato, sendo elas distribuídas na forma de “concordo” ou “não concordo” e outras duas intermediárias.”
Na temática da qual focamos neste estudo, a pergunta foi construída nos seguintes termos:

“Joaquim mora numa casa simples com sua família, longe do centro da cidade. Para estudar tem que acordar cedo, e geralmente não lancha. Para ajudar nas despesas de casa, ele decidiu abandonar os estudos para trabalhar. Você acha que Joaquim:
a) Está certo, pois não se pode trabalhar e estudar ao mesmo tempo.
b) Está errado, por mais difícil que seja, nunca devemos abandonar os estudos.
c) Ele poderia buscar em outro turno para que não ficasse sem estudar, pois a educação é a única forma de superar esta situação.
d) Ele deve deixar de estudar, pois como emprego está difícil, uma oportunidade dessas é a única forma de garantir o sustento da casa.”
Como se percebe, duas alternativas visavam saídas “positivas” ao problema que estava sendo posto, enquanto as outras duas visam saídas mais “negativas”, sendo que uma mais média, que buscava atender as duas necessidades.                       
Num total de 23 participantes, 74% (17 alunos) marcaram a alternativa C “Ele poderia buscar em outro turno para que não ficasse sem estudar, pois a educação é a única forma de superar esta situação” enquanto 22% marcaram a opção B “Está errado, por mais difícil que seja, nunca devemos abandonar os estudos”. Apenas um aluno marcou a opção A “Está certo, pois não se pode trabalhar e estudar ao mesmo tempo” formando 4% do total, e 0% para a opção D: “Ele deve deixar de estudar, pois como emprego está difícil, uma oportunidade dessas é a única forma de garantir o sustento da casa”.


Fig1: Gráfico dos resultados ao questionário aplicado aos alunos: gráfico.jpg
A partir desses resultados podemos perceber que a turma buscou enveredar numa saída da qual o aluno tivesse ambas oportunidades (de emprego e educação), demonstrando que alguns, conforme sua realidade, presenciam ou vivenciam este tipo de situação, o que nos tornou perceptível via os diálogos na oficina, bem como em conversas informais.
Partindo da análise dos dados obtidos, a oficina se fundamentou também na ideia da transversalidade do PCN, pois os temas transversais para o ensino de História contidos no PCN foram importantes na elaboração da pergunta.
Enquanto bolsista, foi de fundamental importância a análise desses resultados para uma compreensão da realidade e do contexto social dos alunos, até para trabalhar temáticas futuras, fomentando a cidadania, sem desvincular do lugar onde estão inseridos os alunos.
Nesta feita, a História apresenta-se, segundo o PCN (1998), com o papel de “difundir e consolidar identidades no tempo, sejam étnicas, culturais, religiosas, de classes e grupos, de Estado ou Nação” (BRASIL, 1998, p.29), tendo como um de seus objetivos “valorizar o direito de cidadania dos indivíduos, dos grupos e dos povos como condição de efetivo fortalecimento da democracia, mantendo-se o respeito às diferenças e a luta contra as desigualdades” (Idem, p.43).
Neste sentido, dois momentos foram fundamentais para a aplicação da oficina: o primeiro era entender a base jurídica para fundamentar a nossa oficina, atentando para as bases legais e sua aplicação. O segundo era analisar o trabalho infantil como um processo histórico e social, presente na realidade inclusive de muitos dos alunos da escola.
Segundo a base legal, no artigo 53. “Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho [...]”.(DOS DEPUTADOS, 1990) Nessa parte, os artigos inferem sobre as questões educacionais, o direito a escola pública e de qualidade por exemplo.
No artigo próximo da ECA (1990), lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990, afirma-se que “Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz” (DOS DEPUTADOS, 1990, p.17) mas em seguida afirma-se “Art. 61. A proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por legislação especial, sem prejuízo do disposto nesta Lei.” (DOS DEPUTADOS, 1990, p.17) e “Art. 62. Considera-se aprendizagem a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor.” (DOS DEPUTADOS, 1990, p.17)
Para compreender tal processo, utilizamos entre outros do conceito de trabalho infantil tal qual Carvalho (2008) após fazer uma análise do panorama atual do trabalho infantil no Brasil, propõem que
“Apesar da proibição legal desse trabalho, da sua relativa deslegitimação no plano simbólico e dos movimentos e iniciativas que vêm sendo desenvolvidos para combatê-lo, nas condições do desenvolvimento brasileiro, ele parece ser um problema de muito difícil erradicação. Suas raízes estão na desigualdade social, na concentração da propriedade da terra e da renda e na pobreza de uma ampla parcela da população brasileira, uma vez que a ocupação precoce de crianças e adolescentes só pode ser compreendida a partir do padrão de organização de certos setores da economia e das condições de inserção produtiva de uma grande parcela dos trabalhadores.” (CARVALHO, 2008, p.565)
Nesse sentido, mais do que compreender a legislação como tal, é preciso compreender como na prática os sujeitos agem de acordo com aquela lei, ou aquele discurso. Compreendendo assim, dentro da nossa base teórica, a própria noção de ação, de tática e desvinculação com a ideia de discurso produtor de uma ação uma vez que segundo Certeau (1994)
“Se é verdade que por toda a parte se estende e se precisa a rede da “vigilância”, mais urgente ainda é descobrir como é que uma sociedade inteira não se reduz a ela: que procedimentos populares (também “minúsculos” e cotidianos) jogam com os mecanismos da disciplina e não se conforma com ela a não ser para alterá-los; enfim, que “maneiras de fazer” formam a contrapartida do lado dos consumidores (ou “dominados”?) dos processos mudos que organizam a ordenação sócio-política.” (Certeau, 1994, p.41)

Por fim, concluímos a ideia de trabalho infantil, compreendendo assim a própria noção formadora que os alunos trazem de seu espaço familiar de que o trabalho infantil é uma realidade que perpassa os níveis do legal, uma vez que como conclui Carvalho (2008)

“Por outro lado, também é preciso levar em conta que a experiência histórica, a cultura e o autoritarismo social brasileiro condensaram uma malha de múltiplos preconceitos, estigmas e discriminações que atingem o trabalhador desqualificado, de ocupação incerta e precária, assim como os desempregados, através de uma associação determinista e reducionista entre pobreza e delinqüência, considerando aqueles por ela afetados como agentes da desordem, da ameaça e da violência, e reclamando sobre eles a ação repressiva e punitiva do Estado.” (CARVALHO, 2008, p. 566)
No segundo momento da oficina, buscamos refletir sobre a importância da escola na formação dos alunos, tanto profissional como cidadã. A reflexão se pautou na praticidade dos conhecimentos obtidos, na sua relação na vida prática e cotidiana, da importância do estudo para modificar situações econômicas e sociais de desigualdades. Neste sentido, o foco da nossa discussão é o espaço escolar, sua importância pois para nós, assim como posto por Zluhan e Raitz (2014)
“A escola não pode ser somente considerada transmissora de conteúdos, mas, sobretudo, um local privilegiado de aprendizagens e vivências cidadãs e democráticas, e, quando se fala na defesa, na efetivação e na universalização dos direitos humanos, precisa-se considerar os seres humanos/alunos como seres sociais, inseridos em uma organização social, na qual devem ser asseguradas as condições para que eles se desenvolvam e venham a viver com dignidade e igualdade.” (ZLUHAN E RAITZ, 2014, p. 34)
Assim, a escola não pode ser compreendida apenas como formadora de profissionais, mas também de cidadãos construtora da uma cidadania ligada a construção de uma paz, consciência política e social do seu próprio contexto.
Conclusão
A aprendizagem do conhecimento histórico, perpassa várias possibilidades de temas que podem ser transverssalizados, ou seja, discutidos por diversas áreas para uma abrangência maior do tema, levando o aluno a perceber que as diferentes formas de conhecimento se congregam. Nesse sentido, compreendemos que o papel do professor, ou bolsista, é fundamental pois segundo Bovo (2004)

“o papel do professor é fundamental no avanço construtivo do aluno. É ele, o professor, que pode perceber necessidades do aluno e o que a educação pode proporcionar ao mesmo. A interdisciplinaridade do professor pode envolver o aluno a mudanças na busca do saber.” (BOVO, 2004, p. 2)

Compreende-se assim o papel do professor na aplicação dos temas transversais, para sua efetivação prática no meio escolar. Nesta perspectiva, o professor é ativo bem como o aluno, tornando o conhecimento um diálogo mais próximo da sua realidade, sem limitações ao dialogo com outras áreas.

Na nossa temática, inferimos relações entre a estatística, realidade cotidiano, história, mundo do trabalho, ética e cidadania, através do trabalho infantil. A oficina proporcionou, nestes termos, uma discussão pautada na realidade dos alunos. Muitos trouxeram experiências pessoais, pais que necessitavam de sua ajuda em casa no trabalho rural, alunos que conheciam colegas que deixaram a escola para trabalhar, e uma série de outras realidades.

Nosso trabalho fundamentou-se em apresentar-lhes as bases legais, bem como as sócio-históricas, apontando motivos para os quais ainda hoje se conhece casos altos e estatisticamente de trabalho infantil. A diferenciação legal entre trabalho infantil, ajuda e aprendizado foi fundamental para a discussão. Por fim, a Oficina proporcionou noções da realidade sócio-histórica nacional, diferenciações entre regiões, bem como a noção de cidadania na escola como um espaço formador e possibilidade de mudança dessa realidade, unidos pela temática transversal.

Referências
Rafael Dalyson dos Santos Souza é estudante da Universidade Federal de Campina Grande. Graduando em História. Ex-Bolsista de Iniciação à Docência pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), vinculado à UFCG, Campus de Cajazeiras (PB).

Jefferson Fernandes de Aquino é especialista em Geopolítica e História pelas Faculdades Integradas de Patos (PB); Especialista em Atendimento Educacional Especializado pela Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA/RN); Pós-Graduando no Curso de Especialização em Mídias na Educação (UERN/RN); Graduado em História pela Universidade Federal de Campina Grande, Campus de Cajazeiras (PB); Ex-Supervisor do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), vinculado à UFCG, Campus de Cajazeiras (PB); Professor da Rede Básica de Ensino na EEEF Dom Moisés Coelho e no Colégio Nossa Senhora do Carmo, ambos em Cajazeiras (PB).

BRASIL. MEC/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais – Apresentação dos temas transversais. Brasília: 1997.

BOVO, Marcos Clair. Interdisciplinaridade e transversalidade como dimensões da ação pedagógica. Revista Urutágua, Maringá- PR, v. 7, p. 1-12, 2004. Disponível em: <http://www.urutagua.uem.br/007/07bovo.pdf> Acesso em 19 fev 2018.

CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de. The child labor in Brasil contemporâneo. Caderno CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 551-569, Set./Dez. 2008. Disponível em> <http://www.scielo.br/pdf/ccrh/v21n54/10.pdf> Acesso em 19 fev 2018

CERTEAU, Michel de et al. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer, v. 17, 1994.

DOS DEPUTADOS, Coordenação de Publicações. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, v. 13. Disponível em: <http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/doc/27_07_2012_16.57.34.e687919355deddb824328bea1433d533.doc>. Acesso em 19 fev 2018.

ZLUHAN, Mara Regina; RAITZ, Tânia Regina. A educação em direitos humanos para amenizar os conflitos no cotidiano das escolas. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 95, n. 239, jan./abr. 2014. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rbeped/v95n239/a03v95n239.pdf> Acesso em 19 fev 2018



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