TRANSVERSALIDADE E ENSINO DE HISTÓRIA:
COMPREENDENDO TRABALHO INFANTIL NUMA OFICINA NO PIBID-HISTÓRIA
(CFP/UFCG)
Introdução
As práticas pedagógicas disciplinares
não mais necessitam estarem fechadas e separadas entre si. Exemplo deste
período era a própria disciplina de História no século XIX, fortemente marcada
pelo positivismo e o cientificismo. Com o surgimento do conceito de interdisciplinaridade,
as diferentes formas de conhecimento voltaram-se para temas que discutem saberes
que interessam a todos. O objetivo geral torna-se formar o cidadão, respaldados
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9394/1996),
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para a disciplina de História e
pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), a História sai da sua completa
cientificidade e chega a sala de aula enquanto componente curricular.
A História, enquanto disciplina, passa,
neste contexto, a ter uma ótica diferente da que vinha tomando em anos
anteriores. No pós-Ditadura, houve uma ressignificação de valores,
especialmente no que tange na concepção dos componentes curriculares
obrigatórios da Educação Básica.
Nesta feita, a História apresenta-se,
segundo o PCN (1998), com o papel de “difundir e consolidar identidades no
tempo, sejam étnicas, culturais, religiosas, de classes e grupos, de Estado ou
Nação” (BRASIL, 1998, p.29), tendo como um de seus objetivos “valorizar
o direito de cidadania dos indivíduos, dos grupos e dos povos como condição de
efetivo fortalecimento da democracia, mantendo-se o respeito às diferenças e a
luta contra as desigualdades” (Idem, p.43).
E, é neste contexto que, através do PIBID-História
(CFP/UFCG), buscamos nos apoiar nas concepções de interdisciplinaridade e
transversalidade que, segundo Mucida [et.al]
(2012):
“[...] os Temas
Transversais inseridos na educação básica servem como eixos de articulação no
processo educativo dando maior flexibilidade a este, uma vez que se podem
incluir novos temas dentro da realidade local e regional de cada instituição de
ensino.” (MUCIDA [et.al], 2012, p.3)
Assim, propomos fazer uma discussão
sobre a cidadania no ensino, e o papel da escola como formadora de cidadãos,
levando os alunos a perceberem tal processo como fundamental para a sua vida,
visando propostas que discutam tais ideais.
Desenvolvimento
Como afirmamos
anteriormente, a temática fora trabalhada durante uma
das ações do PIBID-História na EEEF Dom Moisés Coelho (Cajazeiras/PB) e surgiu
justamente a partir de um questionário – que continham outras temáticas e, cada
uma delas, vinculadas a uma situação problema onde o aluno tinha “resoluções”
para cada caso – onde uma das situações propostas apontava para que trabalhar e
estudar verificava-se como um empecilho na vida da criança.
O uso de questionários como método para
o ensino de História possui uma relevância por proporcionar o conhecimento do
grupo que está respondendo, analisando suas características (GIIL, 2008, p.
125). Assim, para alcançar estes propósitos, realizamos questões
sobre atitudes e crenças que objetivavam capturar através das respostas a
questões que tratavam de temas variados. Um deles era o do trabalho infantil,
visando perceber reações de quem responde, no caso, os alunos.
A pergunta foi desenvolvida em conjunto
por um grupo de bolsistas com o auxilio e orientação do supervisor do PIBID-História
(CFP/UFCG) na escola e tinham como objetivo, como já afirmamos, conhecer os
alunos através de suas reações a perguntas que tratassem de situações. Assim,
passamos a nos debruçar sobre os temas que, após a escolha do que viria a ser
trabalhado, enveredamos na elaboração da questão/situação e suas respectivas
alternativas.
Atentados
para o cuidado na formulação das alternativas, levamos em consideração
possíveis opiniões, por isso cada questão continha mais de duas opções, de modo
que, o aluno pudesse refletir melhor e nós, ao analisarmos as alternativas,
pudéssemos ter uma dimensão maior da realidade desse(s) alunado(s), pois é
preciso levar em consideração que há reações e reações diante de uma
determinada situação. Por isso, optamos por colocar reações extremas ao fato,
sendo elas distribuídas na forma de “concordo” ou “não concordo” e outras duas
intermediárias.”
Na temática da qual focamos neste
estudo, a pergunta foi construída nos
seguintes termos:
“Joaquim
mora numa casa simples com sua família, longe do centro da cidade. Para estudar
tem que acordar cedo, e geralmente não lancha. Para ajudar nas despesas de
casa, ele decidiu abandonar os estudos para trabalhar. Você acha que Joaquim:
a)
Está certo, pois não se pode trabalhar e estudar ao mesmo tempo.
b)
Está errado, por mais difícil que seja, nunca devemos abandonar os estudos.
c)
Ele poderia buscar em outro turno para que não ficasse sem estudar, pois a
educação é a única forma de superar esta situação.
d)
Ele deve deixar de estudar, pois como emprego está difícil, uma oportunidade
dessas é a única forma de garantir o sustento da casa.”
Como se percebe, duas alternativas visavam saídas “positivas”
ao problema que estava sendo posto, enquanto as outras duas visam saídas mais
“negativas”, sendo que uma mais média, que buscava atender as duas
necessidades.
Num total de 23 participantes, 74% (17 alunos) marcaram a
alternativa C “Ele poderia buscar em
outro turno para que não ficasse sem estudar, pois a educação é a única forma
de superar esta situação” enquanto 22% marcaram a opção B “Está errado, por mais difícil que seja,
nunca devemos abandonar os estudos”. Apenas um aluno marcou a opção A “Está certo, pois não se pode trabalhar e
estudar ao mesmo tempo” formando 4% do total, e 0% para a opção D: “Ele deve deixar de estudar, pois como
emprego está difícil, uma oportunidade dessas é a única forma de garantir o
sustento da casa”.
Fig1: Gráfico dos
resultados ao questionário aplicado aos alunos: gráfico.jpg
A partir desses resultados podemos perceber que a turma
buscou enveredar numa saída da qual o aluno tivesse ambas oportunidades (de
emprego e educação), demonstrando que alguns, conforme sua realidade,
presenciam ou vivenciam este tipo de situação, o que nos tornou perceptível via
os diálogos na oficina, bem como em conversas informais.
Partindo da análise dos dados obtidos, a oficina se
fundamentou também na ideia da transversalidade do PCN, pois os temas
transversais para o ensino de História contidos no PCN foram importantes na
elaboração da pergunta.
Enquanto bolsista, foi de fundamental importância a análise
desses resultados para uma compreensão da realidade e do contexto social dos
alunos, até para trabalhar temáticas futuras, fomentando a cidadania, sem
desvincular do lugar onde estão inseridos os alunos.
Nesta feita, a História apresenta-se,
segundo o PCN (1998), com o papel de “difundir e consolidar identidades no
tempo, sejam étnicas, culturais, religiosas, de classes e grupos, de Estado ou
Nação” (BRASIL, 1998, p.29), tendo como um de seus objetivos “valorizar
o direito de cidadania dos indivíduos, dos grupos e dos povos como condição de
efetivo fortalecimento da democracia, mantendo-se o respeito às diferenças e a
luta contra as desigualdades” (Idem, p.43).
Neste sentido, dois momentos foram
fundamentais para a aplicação da oficina: o primeiro era entender a base
jurídica para fundamentar a nossa oficina, atentando para as bases legais e sua
aplicação. O segundo era analisar o trabalho infantil como um processo
histórico e social, presente na realidade inclusive de muitos dos alunos da
escola.
Segundo a base legal, no artigo 53. “Art.
53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação
para o trabalho [...]”.(DOS DEPUTADOS, 1990) Nessa parte, os artigos
inferem sobre as questões educacionais, o direito a escola pública e de
qualidade por exemplo.
No artigo
próximo da ECA (1990), lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990, afirma-se que “Art.
60. É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na
condição de aprendiz” (DOS DEPUTADOS, 1990, p.17) mas em seguida
afirma-se “Art. 61. A proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por
legislação especial, sem prejuízo do disposto nesta Lei.” (DOS DEPUTADOS,
1990, p.17) e “Art. 62. Considera-se aprendizagem a formação
técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de
educação em vigor.” (DOS DEPUTADOS, 1990, p.17)
Para compreender tal processo,
utilizamos entre outros do conceito de trabalho infantil tal qual Carvalho
(2008) após fazer uma análise do panorama atual do trabalho infantil no Brasil,
propõem que
“Apesar da proibição legal desse
trabalho, da sua relativa deslegitimação no plano simbólico e dos movimentos e
iniciativas que vêm sendo desenvolvidos para combatê-lo, nas condições do
desenvolvimento brasileiro, ele parece ser um problema de muito difícil
erradicação. Suas raízes estão na desigualdade social, na concentração da
propriedade da terra e da renda e na pobreza de uma ampla parcela da população
brasileira, uma vez que a ocupação precoce de crianças e adolescentes só pode
ser compreendida a partir do padrão de organização de certos setores da
economia e das condições de inserção produtiva de uma grande parcela dos
trabalhadores.” (CARVALHO, 2008, p.565)
Nesse sentido, mais do que
compreender a legislação como tal, é preciso compreender como na prática os
sujeitos agem de acordo com aquela lei, ou aquele discurso. Compreendendo
assim, dentro da nossa base teórica, a própria noção de ação, de tática e desvinculação
com a ideia de discurso produtor de uma ação uma vez que segundo Certeau (1994)
“Se é verdade que por toda a parte se
estende e se precisa a rede da “vigilância”, mais urgente ainda é descobrir
como é que uma sociedade inteira não se reduz a ela: que procedimentos
populares (também “minúsculos” e cotidianos) jogam com os mecanismos da
disciplina e não se conforma com ela a não ser para alterá-los; enfim, que
“maneiras de fazer” formam a contrapartida do lado dos consumidores (ou
“dominados”?) dos processos mudos que organizam a ordenação sócio-política.” (Certeau, 1994, p.41)
Por fim, concluímos a ideia de trabalho
infantil, compreendendo assim a própria noção formadora que os alunos trazem de
seu espaço familiar de que o trabalho infantil é uma realidade que perpassa os
níveis do legal, uma vez que como conclui Carvalho (2008)
“Por outro lado,
também é preciso levar em conta que a experiência histórica, a cultura e o
autoritarismo social brasileiro condensaram uma malha de múltiplos
preconceitos, estigmas e discriminações que atingem o trabalhador
desqualificado, de ocupação incerta e precária, assim como os desempregados,
através de uma associação determinista e reducionista entre pobreza e
delinqüência, considerando aqueles por ela afetados como agentes da desordem,
da ameaça e da violência, e reclamando sobre eles a ação repressiva e punitiva
do Estado.” (CARVALHO, 2008, p. 566)
No segundo momento da oficina,
buscamos refletir sobre a importância da escola na formação dos alunos, tanto
profissional como cidadã. A reflexão se pautou na praticidade dos conhecimentos
obtidos, na sua relação na vida prática e cotidiana, da importância do estudo
para modificar situações econômicas e sociais de desigualdades. Neste sentido,
o foco da nossa discussão é o espaço escolar, sua importância pois para nós,
assim como posto por Zluhan e Raitz (2014)
“A escola não pode ser somente
considerada transmissora de conteúdos, mas, sobretudo, um local privilegiado de
aprendizagens e vivências cidadãs e democráticas, e, quando se fala na defesa,
na efetivação e na universalização dos direitos humanos, precisa-se considerar
os seres humanos/alunos como seres sociais, inseridos em uma organização
social, na qual devem ser asseguradas as condições para que eles se desenvolvam
e venham a viver com dignidade e igualdade.” (ZLUHAN E RAITZ,
2014, p. 34)
Assim, a escola não pode ser
compreendida apenas como formadora de profissionais, mas também de cidadãos
construtora da uma cidadania ligada a construção de uma paz, consciência
política e social do seu próprio contexto.
Conclusão
A aprendizagem do conhecimento
histórico, perpassa várias possibilidades de temas que podem ser
transverssalizados, ou seja, discutidos por diversas áreas para
uma abrangência maior do tema, levando o aluno a perceber que as diferentes
formas de conhecimento se congregam. Nesse sentido, compreendemos que o papel
do professor, ou bolsista, é fundamental pois segundo Bovo (2004)
“o papel do professor é fundamental no avanço
construtivo do aluno. É ele, o professor, que pode perceber necessidades do
aluno e o que a educação pode proporcionar ao mesmo. A interdisciplinaridade do
professor pode envolver o aluno a mudanças na busca do saber.”
(BOVO, 2004, p. 2)
Compreende-se assim o papel do professor na aplicação dos
temas transversais, para sua efetivação prática no meio escolar. Nesta
perspectiva, o professor é ativo bem como o aluno, tornando o conhecimento um
diálogo mais próximo da sua realidade, sem limitações ao dialogo com outras
áreas.
Na nossa temática, inferimos relações entre a estatística,
realidade cotidiano, história, mundo do trabalho, ética e cidadania, através do
trabalho infantil. A oficina proporcionou, nestes termos, uma discussão pautada
na realidade dos alunos. Muitos trouxeram experiências pessoais, pais que
necessitavam de sua ajuda em casa no trabalho rural, alunos que conheciam
colegas que deixaram a escola para trabalhar, e uma série de outras realidades.
Nosso trabalho fundamentou-se em apresentar-lhes as bases
legais, bem como as sócio-históricas, apontando motivos para os quais ainda
hoje se conhece casos altos e estatisticamente de trabalho infantil. A
diferenciação legal entre trabalho infantil, ajuda e aprendizado foi fundamental
para a discussão. Por fim, a Oficina proporcionou noções da realidade
sócio-histórica nacional, diferenciações entre regiões, bem como a noção de
cidadania na escola como um espaço formador e possibilidade de mudança dessa
realidade, unidos pela temática transversal.
Referências
Rafael Dalyson dos Santos Souza é
estudante da Universidade Federal de Campina Grande. Graduando em História. Ex-Bolsista de Iniciação à Docência pelo Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), vinculado à UFCG,
Campus de Cajazeiras (PB).
Jefferson Fernandes de Aquino é especialista
em Geopolítica e História pelas Faculdades Integradas de Patos (PB); Especialista
em Atendimento Educacional Especializado pela Universidade Federal Rural do
Semiárido (UFERSA/RN); Pós-Graduando no Curso de Especialização em Mídias na
Educação (UERN/RN); Graduado em História pela Universidade Federal de Campina
Grande, Campus de Cajazeiras (PB); Ex-Supervisor do Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), vinculado à UFCG, Campus de Cajazeiras
(PB); Professor da Rede Básica de Ensino na EEEF Dom Moisés Coelho e no Colégio
Nossa Senhora do Carmo, ambos em Cajazeiras (PB).
BRASIL. MEC/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais – Apresentação dos temas
transversais. Brasília: 1997.
BOVO, Marcos Clair.
Interdisciplinaridade e transversalidade como dimensões da ação
pedagógica. Revista Urutágua, Maringá- PR, v. 7, p. 1-12, 2004. Disponível
em: <http://www.urutagua.uem.br/007/07bovo.pdf> Acesso em 19 fev 2018.
CARVALHO, Inaiá
Maria Moreira de. The child labor in Brasil
contemporâneo. Caderno CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 551-569, Set./Dez. 2008. Disponível em> <http://www.scielo.br/pdf/ccrh/v21n54/10.pdf> Acesso em 19 fev 2018
CERTEAU,
Michel de et al. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer, v. 17,
1994.
DOS DEPUTADOS, Coordenação de
Publicações. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, v.
13. Disponível em: <http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/doc/27_07_2012_16.57.34.e687919355deddb824328bea1433d533.doc>. Acesso em 19 fev 2018.
ZLUHAN, Mara Regina; RAITZ, Tânia Regina.
A educação em direitos humanos para amenizar os conflitos no cotidiano das
escolas. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v.
95, n. 239, jan./abr.
2014. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rbeped/v95n239/a03v95n239.pdf> Acesso em 19 fev 2018
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